10.2.16

Sobre a cerimônia do chá e o zen

Trechos do livro Zen and Japanese Culture de D.T. Suzuki. Tradução minha:


"Nestes tempos modernos, como muitos de nós estão situados em relação ao mestre de chá? Não faz sentido falar em um entretenimento tranquilo. Vamos obter o pão primeiro e menos horas de trabalho." Sim, é verdade que nós temos que comer o pão obtido com o suor de nosso rosto e trabalhar algumas horas como escravos de máquinas. Nossos impulsos criativos foram miseravelmente recalcados. Entretanto, acredito que não seja por esse motivo que nós, os modernos, perdemos nosso gosto pela capacidade de relaxar, de encontrar tempo em meio a nossas preocupações para aproveitar a vida sem ser correndo atrás de estímulos apenas pela diversão. A pergunta é: Como terminamos por nos entregar a uma vida na qual os problemas são suprimidos apenas temporariamente? Por que não refletimos mais sobre a vida de modo mais profundo, mais sério, para ter uma ideia de seu significado mais íntimo? Quando essa pergunta for respondida, se necessário, negaremos todo o mecanismo da vida moderna e começaremos de novo. Espero que nosso destino não seja nossa escravidão contínua às necessidades e bem-estar materiais.

 "De fato, é um grande erro ostentar wabi enquanto, internamente, nada está de acordo com esse conceito. As pessoas constroem uma sala de chá com todos os requisitos para que ela aparente wabi; muito ouro e prata é desperdiçado no trabalho; objetos raros de arte são comprados com o dinheiro  adquirido por meio da venda de suas terras - tudo isso para exibirem às visitas. Elas acreditam que a essência de uma vida de wabi encontra-se ali. Mas longe disso. Wabi significa insuficiência de coisas, falta de meios para satisfazer todos os desejos que se possa ter, geralmente, uma vida de pobreza e tristeza. Deter-se em desespero no curso da vida devido à incapacidade de prosseguir - isso é wabi. Mas não nos afligimos com isso. Aprendemos a ser autossuficientes com a insuficiência das coisas. Não procuramos coisas além de nossos meios. Deixamos de ter consciência do fato de que estamos em situações difíceis. Se, entretanto, persistirmos com a ideia da pobreza, insuficiência, ou miséria de nossa condição, não seremos mais pessoas de wabi, mas pessoas afetadas pela miséria. Aqueles que sabem o que é wabi, estão livres da ganância, violência, raiva, indolência, desconforto e tolice. Wabi corresponde ao Pāramitā da moralidade como ela é observada pelos budistas."

Quando o wabi é explicado da forma acima, os leitores podem achar que ele é mais ou menos uma qualidade negativa, e que ele é desfrutado pelas pessoas que fracassaram na vida. Talvez isso seja verdade em certo sentido. Mas quantos de nós são tão saudáveis a ponto de não precisar de remédio ou de um fortificante de um tipo ou de outro em algum momento da vida? E todos estamos destinados a morrer. A psicologia moderna fornece muitos casos de homens de negócios ativos, fisica e mentalmente, que repentinamente entram em declínio depois que se aposentam. Por quê? Porque eles não aprenderam a conservar uma reserva de sua energia; ou seja, eles nunca pensaram em um plano de recolhimento enquanto estavam trabalhando. O guerreiro japonês, naqueles dias de batalhas e agitação do passado, quando estava mais ardorosamente envolvido nas atividades da guerra, percebia que não poderia permanecer  com os nervos à flor da pele, sempre em vigília, e que precisava de alguma forma de escapar em algum momento e lugar. O chá deve ter lhe dado exatamente isso. Ele se recolhia durante algum tempo em um canto tranquilo de seu inconsciente, simbolizado pela sala de chá de menos de um metro quadrado. E, quando ele a deixava, sentia não só a mente e o corpo revigorados, mas provavelmente sua memória era renovada com coisas de valor mais permanente do que a mera luta.