20.3.16

Entre Parênteses, Bolaño



Terminei de ler Entre Parênteses, uma coletânea de artigos, discursos e uma entrevista concedida por Roberto Bolaño à revista Playboy. Os artigos são curtos e tratam de literatura, afetos e desafetos literários, o Chile, seu país natal; o México, onde foi jovem; e a Catalunha, onde morreu em 2003. 

Gostei muito de Os Detetives Selvagens e 2666, seus dois tijolos de centenas de páginas. Livros ambiciosos, um tanto desequilibrados por isso mesmo, mas leituras fabulosas, estonteantes. Não gostei tanto de Noturno do Chile, tenho a impressão de que Bolaño cresce mesmo quando tem a oportunidade de se estender por várias páginas como nos dois primeiros livros e nos faz mergulhar em um caleidoscópio de imagens e experiências. 

Os artigos são interessantes para conhecer um pouco mais sobre o escritor, mas achei-os um pouco repetitivos. Gostaria que ele tivesse falado mais sobre si, expressado um pouco mais de suas opiniões sobre a literatura, arte e vida. Em suma, fossem mais reflexivos.

Li em italiano. Traduzi um trecho que acho que faz muito sentido:


"Gostaria de recomprar todos os livros de Tolstói e Dostoiévski que li e que não possuo mais em minha biblioteca. E também aqueles de Daudet. E aqueles de Vitor Hugo. Algumas vezes me pergunto o que fiz deles, desses livros, como posso tê-los perdido, onde os perdi. Outras vezes me pergunto porque desejo tê-los se já os li, que é o único modo de conservá-los para sempre. A única resposta possível é que os desejo para meus filhos. Sei que é uma resposta enganosa: cada um deve sair de casa em busca dos livros que estão à sua espera."



6.3.16

Palavras de Bolaño

A literatura, como diria uma cantora andalusa, é um perigo. E, agora que retorno, finalmente, ao número onze, o número daqueles que jogam no ataque, e que mencionei o perigo, posso recordar aquela página de Dom Quixote na qual se discute os méritos da milícia e da poesia, e na qual imagino que, no fundo, se fale do grau de perigo, ou do grau de virtude, exigido pela natureza dos dois ofícios. E, se Cervantes, que foi soldado, faz a milícia, o ofício de soldado, vencer o honorável ofício de poeta, e se lemos aquelas páginas com cuidado (coisa que agora, enquanto escrevo este discurso, não faço, mesmo que da mesa onde estou sentado, veja muitíssimo bem as minhas duas edições de Dom Quixote) sentimos um forte aroma de melancolia, porque Cervantes faz sua juventude, o fantasma de sua juventude perdida, vencer a realidade do exercício da prosa e da poesia, até então tão inclemente para com ele. E isso me vem à mente porque, em grande medida, tudo o que escrevi é uma carta de amor e de adeus à minha geração, à nossa geração que nasceu nos anos cinquenta e que, em determinado momento, escolheu o exercício da milícia, em nosso caso, seria mais correto dizer da militância, e confiou o pouco que possuía, que era muito, porque era a nossa juventude, a uma causa que acreditava ser a mais generosa do mundo e que, em certo sentido, o era, sem que, em realidade, o fosse. Inútil dizer que combatemos exaustivamente, mas que tínhamos chefes corruptos, líderes covardes, aparatos de propaganda que eram piores do que leprosários, e que lutávamos em nome de partidos que, se tivessem vencido, teriam nos enviado imediatamente aos campos de trabalho forçado; lutávamos e dispúnhamos toda a nossa generosidade a serviço de um ideal morto mais de cinquenta anos antes, e alguns de nós o sabíamos, não podíamos deixar de sabê-lo se tivéssemos lido Trótski ou se fôssemos trotskistas, no entanto, lutávamos do mesmo jeito, porque éramos estúpidos e generosos, como são os jovens, que dão tudo e não pedem nada em troca, e agora não resta mais nada desses jovens, aqueles que não morreram na Bolívia morreram na Argentina ou no Peru, e aqueles que sobreviveram foram morrer no Chile ou no México, e aqueles que não foram assassinados ali, foram assassinados mais tarde na Nicarágua, Colômbia ou El Salvador. Toda a América Latina está semeada de ossos desses jovens esquecidos. E é essa a mola que impele Cervantes a escolher a milícia em detrimento da poesia. Seus companheiros também estavam mortos. Ou estavam velhos e abandonados, sós e na miséria. Escolher significava escolher a juventude, escolher os derrotados, escolher aqueles que não tinham mais nada. E é isso o que faz Cervantes: escolhe a juventude. 

Roberto Bolaño, Discurso de Caracas, traduzido (do italiano por mim)

3.3.16

Livros de fevereiro


Falei cedo sobre a chuva no post anterior, não é mesmo? Voltou a chover muito nas últimas semanas. O solo está encharcado e faz chop chop quando caminho sobre a grama. Não dá para passar muito tempo do lado de fora cuidando do jardim então leio.

Li alguns livros sobre zen budismo, entre eles: Zen and Japanese Culture de Daisetsu Teitarô Suzuki e Zen Experience de Thomas Hoover. Suzuki tem obras bastante difundidas no Ocidente tratando do budismo. É interessante ver a religião/filosofia da perspectiva de um japonês, mas achei o livro do Hoover mais instrutivo. Ele procura traçar a história do zen budismo desde a China até o Japão. Como qualquer religião/instituição, o zen é constituído de várias idiossincrasias muito humanas. Sua história é feita de variações, cisões e disputas entre mestres e discípulos que pensam de formas diferentes. Algumas escolas se beneficiam do apoio dos poderosos e há aquelas que se afastam do mundo. Alguns mestres acreditam na meditação, outros preferem métodos menos ortodoxos como gritos e tapas como meios para atingir a iluminação.

Em Good Thinking, Guy P. Harrison escreve sobre a necessidade e os benefícios de cultivarmos uma espécie de ceticismo científico em nossas vidas, isso evitaria que tomássemos decisões ou abraçássemos causas e opiniões baseados em falácias ou ignorância. No fundo, o que ele prega é bom senso, mas li alguns comentários críticos de pessoas religiosas, por exemplo, que não gostaram do que ele escreveu.

Apesar de minha casa estar longe (muito longe) de ser um exemplo de organização e minimalismo, adoro livros sobre o assunto. Li The life-changing magic of tidying up de Marie Kondo que fez um tremendo sucesso no ano passado e terminei Simple Matters de Erin Boyle esta semana. Erin tem um blog (que conheci depois do livro), Reading my tea leaves, no qual dá dicas sobre como podemos ter uma vida mais simples, clean e autêntica. O livro também é sobre isso, sobre atitudes que enriqueceriam nossas vidas como usar produtos naturais, dar valor à qualidade e não à quantidade, consumir menos, aliar a sustentabilidade à beleza. Tanto Marie quanto Erin dizem que o segredo para ter uma casa mais clean é comprar e conservar apenas as roupas e objetos que amamos e nos fazem felizes. (Oh boy! Me passem alguns sacos de lixo...).

No campo da ficção, li Atemschaukel (traduzido como "Tudo o que tenho levo comigo", título que não achei muito bom, "The Hunger Angel", título da tradução inglesa, é bem melhor), da Herta Muller. Ele é narrado por Leo, um jovem da minoria alemã da Romênia que é deportado para a União Soviética onde passa cinco anos em campos de trabalho forçado. O tema é triste e duro, mas a escrita é muito poética. Gosto disso nos textos da Herta Muller, da concisão e do efeito das imagens que ela evoca. Li em alemão e, apesar de ter muitas dificuldades com essa língua, não era alheia à beleza de sua escrita.

Comprei e li dois livros do chileno Alejandro Zambra publicados pela Cosac Naify (RIP). Confesso que fazia anos que não comprava livros em português (mesmo uma tradução). Foi estranho ler um autor que li primeiro na língua original traduzido para o português, o pior é que cada um deles foi traduzido por uma pessoa diferente. Acho difícil manter algo parecido com um "estilo" dessa forma. Gostei muito do Zambra em espanhol, apesar de ter lido apenas Bonsai e No Leer que comprei no Chile. Calhou de uma leitora do blog fazer a recomendação do autor pouco antes de uma viagem a Santiago e fui procurá-lo nas livrarias próximas do apartamento onde ficamos. Livros no Chile são caros e não tive coragem de comprar mais nada. Até reclamei disso com o vendedor de uma livraria em Providencia e ele concordou comigo. Meus Documentos é uma coletânea de contos, gostei bastante de alguns, achei outros fracos, mas, bem, contos não são meu forte. Quase todos soam meio autobiográficos. Formas de Voltar para Casa também tem um quê disso, de fato, todos os textos do Zambra têm muito dele, de acontecimentos pessoais, do Chile e de Santiago. O romance é curto, como todos os seus textos, e trata do período da ditadura de Pinochet (1973-1990) e de como os relacionamentos e as vidas das pessoas foram afetados por ela.