15.5.11

O livro das fugas - J.M.G. Le Clézio


 
O livro das fugas acompanha um personagem chamado Jeune Homme Hogan  em suas peregrinações pelo mundo. Entre um capítulo e outro, há reflexões do próprio autor sobre o ato de escrever e sobre aquilo que lhe vem à mente. Li que este é um livro de uma fase mais experimental do escritor francês e ganhador do Nobel de 2008, Le Clézio. Há um sentimento de revolta no texto, a escrita tem um ritmo rápido. Enquanto lia, fiquei imaginando o escritor com a caneta correndo sobre o papel, perseguindo impressões e imagens à medida que elas surgiam.

J.H. Hogan é aquele que observa e também aquele que foge, não fica muito claro do quê.  Em busca de si mesmo, ou de si mesmo, ou da insignificância de tudo, difícil dizer. Ele também é o oposto do turista e, talvez por essa razão, seja um verdadeiro viajante. Ele não descreve hotéis e paisagens, descreve cenas cotidianas e também chocantes: um espetáculo no sudesde asiático onde uma mulher gorda é violada por um grande cão, um homem que acerta os carros com uma barra de ferro quando eles passam pela rua e termina morto por um motorista raivoso, uma cidade mexicana onde todos ficaram cegos após serem infectados por um parasita.

O livro deixa uma sensação de náusea, de falta de sentido das coisas. As pessoas e os lugares são mostrados em toda a sua banalidade e feiura.


Traduzi alguns trechos:


"Queria fugir indo para além de mim mesmo. Queria ir a países onde não se fala, onde seriam os cães que escreveriam romances e não os homens de óculos. Queria conhecer os países onde as estradas se extinguem sozinhas, onde o mundo seria maior que o pensamento, paises absolutamente novos, terras de dúvida, onde se poderia morrer sem sentir vergonha, sem que ninguém se desse conta. Queria lugares onde o incêndio arde dia e noite durante anos, onde a maré sobe sem jamais descer, onde os lagos se esvaziam como grandes lavabos."


"Acreditava que para conhecer um deserto bastava ter estado em um. Acreditava que, por ter visto os cães morrerem sobre a estrada de Cholula ou por ter visto os olhos dos leprosos de Xieng-Mai, teria o direito de falar sobre eles. Ter visto! Ter esta lá! E daí? O mundo não é um livro, ele não prova nada. Ele não oferece nada. Os espaços atravessados eram corredores obscuros com portas fechadas. Os rostos das mulheres nos quais se mergulhou por acaso dizem algo a alguém além delas mesmas? As cidades dos homens são secretas. Caminha-se ao longo de suas ruas, elas brilham sob os pés, mas não se está lá, nunca se entra lá dentro."


3 comentários:

  1. fiquei curiosa pra ler os trechos em que ele fala do processo de escrita dele.
    achei legal voce dizer:
    "o escritor com a caneta correndo sobre o papel, perseguindo impressões e imagens à medida que elas surgiam"
    gostei de ver o post associado a tres receitas, apareceu assim pra mim agora.
    a vida. . .

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  2. que escritor interessante, não conhecia nem de ouvir falar. A imagem dos trechos que muito bem foram traduzidos por ti, deu sensação de já tê-los visto na tela do cinema. Gosto de novidades, arigatô, vou anotar Clézio.
    Madoka

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  3. Kalina, o livro é uma sucessão de imagens e impressões do personagem mais as reflexões do autor. O que ele diz sobre a escrita, ao final, é que ela não é rápida o suficiente para captar o que ocorre no mundo.

    Madoka, não posso dizer que gostei deste livro, ele é "diferente". O livro que tornou o autor mais conhecido é "O deserto", acho que o estilo é bem diferente do deste aqui.

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