A tarde estava quente e as pessoas amontoavam-se dentro do ônibus, na medida em que ele parava em cada ponto, via novos rostos absorvidos em procurar um espaço ou um assento vazio. Mas não havia assentos vazios, eles estavam todos ocupados, mal havia espaço para apoiar as mãos, cada um precisava vencer a resistência dos outros corpos e conquistar um espaço para si. Sentia o suor em minhas têmporas e nas axilas. O contato de minhas mãos com a barra no teto era desagradável. Olhava ao redor de forma distraída até que notei uma mulher com uma criança sentada em um banco próximo. A mulher voltava-se para trás, conversava com alguém. Vi uma senhora mais velha responder em outro banco. O que chamou minha atenção não foi o conteúdo da conversa, mas a maneira como ela era feita, não havia palavras, ambas as mulheres tinham algum tipo de deficiência e limitavam-se a balançar a cabeça e a grunhir fazendo caretas com todos os músculos da face. Tinham uma linguagem própria que era incompreensível. Aquilo me intrigou e passei boa parte do tempo observando aquela família pelo canto dos olhos. A criança que sentava-se ao lado da mulher mais nova deveria ter cerca de sete anos, era uma menina com belos olhos escuros e o rosto um pouco sujo. Ela balançava uma caixa de suco e procurava beber o que ainda restava com o canudo branco alheia aos movimentos e grunhidos trocados entre as duas outras mulheres. Seus cabelos compridos estavam presos, mas desgrenhados. Ela parecia não ter herdado a deficiência das outras duas que, àquela altura, concluí serem sua mãe e sua avó. Fiquei um pouco aliviada, mas logo percebi que algo não estava certo, um dos braços da menina era mais grosso do que o outro, como se um deles tivesse se desenvolvido demais. Procurava imaginar quem seriam ou teriam sido os homens que as tomaram nos braços e deram continuidade àquela linhagem. A menina também passaria sua herança genética para os filhos, franzi o cenho ao pensar no tipo de deformidades armazenadas em seu útero. Envergonhei-me por pensar aquilo e olhei ao redor para certificar-me de que ninguém tinha lido meus pensamentos. Eu não era a única que prestava atenção àquelas mulheres, vários outros passageiros olhavam para elas com um misto de curiosidade e pena. A mais velha levantou-se, aproximou-se da outra que também se levantou e apertou a campainha do ônibus. Enquanto elas desciam, vi que todas usavam saias compridas e sujas. Apesar do ônibus estar lotado, ninguém se sentou nos bancos desocupados como se eles pudessem ser contagiosos. No entanto, não demorou muito para que outros passageiros entrassem e ocupassem os assentos, contentes por terem encontrado um lugar livre.
5.6.11
Dentro do ônibus 0
(Texto de 2008 que trouxe daqui).
A tarde estava quente e as pessoas amontoavam-se dentro do ônibus, na medida em que ele parava em cada ponto, via novos rostos absorvidos em procurar um espaço ou um assento vazio. Mas não havia assentos vazios, eles estavam todos ocupados, mal havia espaço para apoiar as mãos, cada um precisava vencer a resistência dos outros corpos e conquistar um espaço para si. Sentia o suor em minhas têmporas e nas axilas. O contato de minhas mãos com a barra no teto era desagradável. Olhava ao redor de forma distraída até que notei uma mulher com uma criança sentada em um banco próximo. A mulher voltava-se para trás, conversava com alguém. Vi uma senhora mais velha responder em outro banco. O que chamou minha atenção não foi o conteúdo da conversa, mas a maneira como ela era feita, não havia palavras, ambas as mulheres tinham algum tipo de deficiência e limitavam-se a balançar a cabeça e a grunhir fazendo caretas com todos os músculos da face. Tinham uma linguagem própria que era incompreensível. Aquilo me intrigou e passei boa parte do tempo observando aquela família pelo canto dos olhos. A criança que sentava-se ao lado da mulher mais nova deveria ter cerca de sete anos, era uma menina com belos olhos escuros e o rosto um pouco sujo. Ela balançava uma caixa de suco e procurava beber o que ainda restava com o canudo branco alheia aos movimentos e grunhidos trocados entre as duas outras mulheres. Seus cabelos compridos estavam presos, mas desgrenhados. Ela parecia não ter herdado a deficiência das outras duas que, àquela altura, concluí serem sua mãe e sua avó. Fiquei um pouco aliviada, mas logo percebi que algo não estava certo, um dos braços da menina era mais grosso do que o outro, como se um deles tivesse se desenvolvido demais. Procurava imaginar quem seriam ou teriam sido os homens que as tomaram nos braços e deram continuidade àquela linhagem. A menina também passaria sua herança genética para os filhos, franzi o cenho ao pensar no tipo de deformidades armazenadas em seu útero. Envergonhei-me por pensar aquilo e olhei ao redor para certificar-me de que ninguém tinha lido meus pensamentos. Eu não era a única que prestava atenção àquelas mulheres, vários outros passageiros olhavam para elas com um misto de curiosidade e pena. A mais velha levantou-se, aproximou-se da outra que também se levantou e apertou a campainha do ônibus. Enquanto elas desciam, vi que todas usavam saias compridas e sujas. Apesar do ônibus estar lotado, ninguém se sentou nos bancos desocupados como se eles pudessem ser contagiosos. No entanto, não demorou muito para que outros passageiros entrassem e ocupassem os assentos, contentes por terem encontrado um lugar livre.
A tarde estava quente e as pessoas amontoavam-se dentro do ônibus, na medida em que ele parava em cada ponto, via novos rostos absorvidos em procurar um espaço ou um assento vazio. Mas não havia assentos vazios, eles estavam todos ocupados, mal havia espaço para apoiar as mãos, cada um precisava vencer a resistência dos outros corpos e conquistar um espaço para si. Sentia o suor em minhas têmporas e nas axilas. O contato de minhas mãos com a barra no teto era desagradável. Olhava ao redor de forma distraída até que notei uma mulher com uma criança sentada em um banco próximo. A mulher voltava-se para trás, conversava com alguém. Vi uma senhora mais velha responder em outro banco. O que chamou minha atenção não foi o conteúdo da conversa, mas a maneira como ela era feita, não havia palavras, ambas as mulheres tinham algum tipo de deficiência e limitavam-se a balançar a cabeça e a grunhir fazendo caretas com todos os músculos da face. Tinham uma linguagem própria que era incompreensível. Aquilo me intrigou e passei boa parte do tempo observando aquela família pelo canto dos olhos. A criança que sentava-se ao lado da mulher mais nova deveria ter cerca de sete anos, era uma menina com belos olhos escuros e o rosto um pouco sujo. Ela balançava uma caixa de suco e procurava beber o que ainda restava com o canudo branco alheia aos movimentos e grunhidos trocados entre as duas outras mulheres. Seus cabelos compridos estavam presos, mas desgrenhados. Ela parecia não ter herdado a deficiência das outras duas que, àquela altura, concluí serem sua mãe e sua avó. Fiquei um pouco aliviada, mas logo percebi que algo não estava certo, um dos braços da menina era mais grosso do que o outro, como se um deles tivesse se desenvolvido demais. Procurava imaginar quem seriam ou teriam sido os homens que as tomaram nos braços e deram continuidade àquela linhagem. A menina também passaria sua herança genética para os filhos, franzi o cenho ao pensar no tipo de deformidades armazenadas em seu útero. Envergonhei-me por pensar aquilo e olhei ao redor para certificar-me de que ninguém tinha lido meus pensamentos. Eu não era a única que prestava atenção àquelas mulheres, vários outros passageiros olhavam para elas com um misto de curiosidade e pena. A mais velha levantou-se, aproximou-se da outra que também se levantou e apertou a campainha do ônibus. Enquanto elas desciam, vi que todas usavam saias compridas e sujas. Apesar do ônibus estar lotado, ninguém se sentou nos bancos desocupados como se eles pudessem ser contagiosos. No entanto, não demorou muito para que outros passageiros entrassem e ocupassem os assentos, contentes por terem encontrado um lugar livre.
nao sei o que dizer sobre isso que voce viu.
ResponderExcluiraas vezes a gente fica bem chocada com a vida - diferente da nossa - que algumas pessoas levam, mas eh provavel que essas pessoas nem sofram tanto assim com suas limitacoes. a vida eh magica.
seu texto ta muito bonito, Karen.
beijo
Kalina, é verdade, a gente não lamenta o que nunca teve e se acostuma com as limitações. Feliz ou infelizmente.
ResponderExcluirGostei do novo visual do blog!
ResponderExcluirAdoro ler o que vc relata sobre seu trajeto nos ônibus!
Vi num blog essa receita e lembrei que vc postou uma com tiguensai ne!
http://www.youtube.com/watch?v=EttMCuWXep8
Adorei a receita, Mariana!
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