Natsume Soseki é um autor japonês de que gosto bastante. Fazia algum tempo que não o lia. Estou retornando a alguns velhos conhecidos, como Kawabata e Saramago e tem sido prazeroso.
Botchan é um dos primeiros livros de Soseki e conta a história bem humorada de um rapaz que se forma em física em uma faculdade de Tóquio e é contratado para dar aulas em uma província bem distante, no sul do arquipélago. Ele tem um temperamento forte e impulsivo que lhe rende muitas reprimendas na infância e que, adulto, torna-se o estopim de conflitos com os outros professores. O rapaz é do gênero “grosseirão com bom coração” e passa por várias vexações por causa de sua falta de tato, mas ele não parece se incomodar com as convenções sociais e fica sempre chocado com a insinceridade, a mentira e a afetação de seus colegas e das pessoas que encontra no vilarejo.
"Botchan" é uma palavra japonesa difícil de traduzir, é uma forma de chamar os garotos quando eles são pequenos que é, ao mesmo tempo, carinhosa e revela uma posição subordinada da pessoa que a usa, como Kiyo, a empregada da família do personagem em questão. Seria parecido com a forma como os escravos chamavam os filhos de seus senhores: “sinhozinho” (lembrem-se de que se trata de uma aproximação forçada, não exata!).
O livro é bastante popular no Japão e deve ser muito mais interessante e divertido em japonês, o tradutor mesmo escreve que é difícil encontrar equivalentes em inglês para todos os trocadilhos dos diálogos.
No trecho abaixo, o rapaz vai pescar com dois outros professores para os quais ele deu os nada lisonjeiros apelidos de “Camisa Vermelha” e “Palhaço”:
“O barqueiro remava em direção ao mar com batidas lentas e calmas, mas quando olhei para trás, descobri que já estávamos tão longe que a praia parecia bem pequena na distância. O pagode do templo Kohakuji afunilava-se como uma agulha acima das árvores e, do outro lado, a ilha de Aojima flutuava sobre a água. Ninguém vivia naquela ilha, olhando de mais perto, eu descobri a razão. Ela era apenas um aglomerado de rochas e pinheiros. Camisa Vermelha observou como a paisagem era delicada e Yoshikawa, o Palhaço, concordou. Eu não sabia se ela era delicada ou não, mas certamente dava uma sensação agradável olhar para ela. Era bom estar ali naquela vasta expansão de água, sentindo a brisa do mar. Eu estava morrendo de fome.
'Imagine a Madonna de Rafael em pé sobre aquela rocha', disse Yoshikawa. 'Daria uma pintura maravilhosa. Você não concorda?'
'Não vamos falar sobre Madonnas', respondeu Camisa Vermelha, e deu uma risadinha desconcertantemente efeminada. Yoshikawa, lançando um olhar em minha direção, disse que estava tudo bem, pois ninguém estava ouvindo. E voltou-se para o outro lado de propósito com um sorrisinho afetado. Aquilo fez com que me sentisse desconfortável. Madonna ou beladona, dava tudo na mesma para mim. Ele poderia colocar o que quisesse sobre as rochas. Mas dizer coisas que outras pessoas não entendiam e, além disso, não se importar que elas ouvissem porque elas não as compreendiam, era grosseiro. Apesar de seu comportamento, Yoshikawa ainda tinha coragem de dizer que era de Tóquio. Madonna provavelmente era o apelido da geisha preferida de Camisa Vermelha. Bem, se ele queria colocar uma geisha debaixo de um pinheiro em uma ilha desabitada, ele que o fizesse. E o Palhaço poderia pintá-la a óleo e mostrar o quadro em uma exposição.”
'Olhe para aquele pinheiro', Camisa Vermelha disse para Yoshikawa. 'O tronco é perfeitamente reto e a copa se espalha como um guarda-chuva. Ela deveria ter sido pintada por Turner'.
O Palhaço respondeu que ela 'tinha saído de um Turner', e que a curva era perfeita. Eu não tinha qualquer idéia do que 'Turner' significava, mas achando que poderia viver muito bem sem aquele conhecimento, fiquei quieto.
O barco deu uma volta do lado direito da ilha. Não havia ondas. Era tão calmo, de fato, que era difícil dizer que você estava no mar. Eu estava tendo bons momentos, graças ao Camisa Vermelha. Se fosse possível, eu gostaria de desembarcar na ilha e ver como ela era, apontando para uma rocha, perguntei ao barqueiro se o barco não poderia ancorar ali. Camisa Vermelha disse que aquilo poderia ser feito, mas que a pescaria não seria muito boa tão próximo da ilha. Então Yoshikawa se dirigiu a Camisa Vermelha e veio com a desnecessária sugestão de chamar o lugar de Ilha de Turner. Camisa Vermelha achou a idéia boa e disse que era como iríamos chamá-la a partir daquele momento. Esperei não ter sido incluído naquele 'nós'. Ilha de Aojima estava perfeito para mim.'Imagine a Madonna de Rafael em pé sobre aquela rocha', disse Yoshikawa. 'Daria uma pintura maravilhosa. Você não concorda?'
'Não vamos falar sobre Madonnas', respondeu Camisa Vermelha, e deu uma risadinha desconcertantemente efeminada. Yoshikawa, lançando um olhar em minha direção, disse que estava tudo bem, pois ninguém estava ouvindo. E voltou-se para o outro lado de propósito com um sorrisinho afetado. Aquilo fez com que me sentisse desconfortável. Madonna ou beladona, dava tudo na mesma para mim. Ele poderia colocar o que quisesse sobre as rochas. Mas dizer coisas que outras pessoas não entendiam e, além disso, não se importar que elas ouvissem porque elas não as compreendiam, era grosseiro. Apesar de seu comportamento, Yoshikawa ainda tinha coragem de dizer que era de Tóquio. Madonna provavelmente era o apelido da geisha preferida de Camisa Vermelha. Bem, se ele queria colocar uma geisha debaixo de um pinheiro em uma ilha desabitada, ele que o fizesse. E o Palhaço poderia pintá-la a óleo e mostrar o quadro em uma exposição.”
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