Essa é uma de minhas leituras recentes. Li "
O céu que nos protege", obra mais conhecida do autor, há mais de 15 anos atrás e não me lembro direito dos detalhes da história, nem de se gostei ou não, enfim, ela não deixou uma impressão muito forte. Também vi o filme de
Bernardo Bertolucci e a sensação é a mesma. Acho que o mais interessante é o exotismo do cenário, o deserto do norte da África.
As
Memórias de um Nômade cobrem a infância e parte da vida adulta de Paul Bowles, ele escreve sobre seu cotidiano na Nova York do começo do século XX, a relação conflituosa com o pai, sua vida com a esposa, Jane, e, principalmente, sobre as suas viagens pelo mundo. Período que se inicia quando atinge a maioridade, com uma "fuga" para Paris, e termina no Marrocos, país que adota para viver o resto de seus dias. Ele percorre vários países da Europa, da costa norte africana, sudeste da Ásia e América Latina.
Antes de ser conhecido como escritor, Paul Bowles trabalhava compondo trilhas musicais e acompanhamentos sonoros para peças de teatro e filmes, o que lhe dava a liberdade de ir e vir de e para onde quisesse. Se precisava de inspiração, ia até o Marrocos e alugava uma casa e um piano no lugar que julgava conveniente, quando se cansava do lugar, ia até o México onde fazia a mesma coisa.
Não sei se ele ganhava bem ou se a vida era mais barata na primeira metade do século, mas Bowles não tinha qualquer dificuldade para viver onde tinha vontade, bastava querer. Bons tempos. Ele chega até mesmo a comprar um ilha simpática em uma praia do Sri Lanka, a ilha de Taprobana. (
Hoje, um hotel).
O interessante é observar como os artistas no estrangeiro formavam uma comunidade bastante solidária, quando o autor ia para um lugar novo, sempre encontrava um amigo de um amigo que estava disposto a abrigá-lo ou a ajudá-lo com algo, da mesma forma, quando ele e Jane estavam estabelecidos em alguma cidade, bastava alguém aparecer e dizer que era amigo de algum conhecido dos dois para ser bem recebido.
Entre as figuras que desfilam pelo livro (e o livro é isso mesmo, um desfile de figuras, lugares e acontecimentos) estão: Tennessee Williams, Gore Vidal, Truman Capote e Gertrude Stein, para citar apenas alguns nomes.
As viagens eram feitas à moda antiga, sem data para voltar, e geralmente de navio. Bowles lamenta o advento dos aviões, pois o charme da viagem, segundo ele, acabou se perdendo. O livro termina quando as viagens deixam de lhe dar o mesmo prazer que em sua juventude. Período que coincide com a deterioração da saúde de sua esposa.
O texto em geral é bem rápido, jornalístico, quase uma sucessão de fatos. Apenas no final, após escrever longamente sobre suas memórias, um Bowles já bem mais velho se dá ao luxo de escrever algumas reflexões sobre sua vida, por exemplo, sobre a razão de ter se fixado no Marrocos:
"Eu não escolhi morar em Tanger de forma permanente. Isso foi alheio a minha vontade. Minha estadia devia ser de curta duração, tinha a intenção de ir para outro lugar, ainda e sempre, sem jamais me fixar definitivamente. A preguiça me fez postergar a partida. Depois veio o dia em que tive que me render às evidências: o mundo não apenas estava muito mais cheio do que há apenas alguns anos, mas os hotéis estavam piores, as viagens menos agradáveis e a maioria dos lugares menos bela do que antes. A partir de então, cada vez que me encontrava em outro lugar, tinha imediatemente vontade de estar em Tanger. Se estou aqui até hoje, é apenas porque este é o lugar em que me encontrava quando compreendi que o mundo estava mais feio e que não tinha mais vontade de viajar."
E sobre a morte:
"Em minha história, por exemplo, não há vitórias espetaculares simplesmente porque eu não tive que lutar. Eu perseverei e aguardei. Acho que é o que faz a maioria das pessoas, de qualquer forma, as oportunidades de fazer algo diferente são cada vez mais raras. Os marroquinos dizem que para se viver plenamente é preciso pensar sempre na morte. Eu concordo com essa máxima sem reservas. Infelizmente, sou incapaz de conceber minha própria morte como o final de um espetáculo muito mais aterrorizante: a velhice. Eu me imagino desdentado, impotente, totalmente dependente de uma pessoa que pago para tomar conta de mim, e que pode deixar o quarto a qualquer instante para nunca mais voltar. Certamente não é isso que os marroquinos têm em mente quanto afirmam que é preciso pensar na morte. Eles consideream minhas visões como manifestações de um medo particularmente abjeto. A terapêutica de uns pode ser a tortura de outros. "Adeus, diz o moribundo ao espelho que lhe estendem. Nós não nos veremos mais." Eu citei esse epigrama de Valéry em "O céu que nos protege" porque essa visão me parecia, na época, particularmente forte. Hoje, como já não me imagino como um simples espectador, mas como o protagonista dessa cena, ela me parece repugnante. Para que o adeus soe justo, bastaria que o moribundo acrescentasse estas curtas palavras: "Graças a Deus!"."