15.6.10

Mukoda Kuniko - Jogo da memória

Este foi o livro que minha professora de japonês me emprestou. Ela chegou à conclusão de que a melhor forma de melhorar meu vocabulário na língua era lendo. Essa sempre foi minha crença e aprendi muito do meu inglês e francês lendo romances. Eu entendo a idéia geral dos textos em japonês, mas confesso que ainda estou longe de ter um grande domínio da língua e de captar todas as sutilezas de um texto literário. Tampouco consegui me livrar do dicionário, pois cada frase contém vários kanjis (ideogramas) desconhecidos. Como os kanjis usados para representar algumas palavras mudaram de alguns anos para cá devido a reformas ortográficas, a tarefa é ainda mais exaustiva. Entretanto, gostei de ler os contos da Mukoda Kuniko (ou Kuniko Mukoda, como se diria à maneira ocidental).

Também é o meu primeiro contato com uma autora japonesa. Conhecia apenas a Banana Yoshimoto (seu verdadeiro nome é Mahoko Yoshimoto, os japoneses parecem ter uma fixação pelas frutas tropicais, outro dia vi uma garota chamada "Papaya" na TV), mas nunca li nada dela. No futuro, pretendo ler Kitchen, seu primeiro livro.

Voltando a Kuniko Mukoda, o livro é composto de contos curtos, cujo assunto principal é o relacionamento familiar. Admiro muito a forma como os escritores japoneses conseguem ser quase pintores quando descrevem uma cena, e a Kuniko Mukoda não é diferente. O material básico de seus textos são assuntos bem triviais. Ela transforma o cotidiano em uma descoberta constante.

Tudo começa com um incidente qualquer que faz com que o protagonista se lembre de um evento do passado. Um marido compara a mulher com as lontras que ele viu quando era mais jovem, um marido observa a filha acenar de uma janela e se lembra da mãe que tivera um caso com um empregado de seu pai, uma mulher grávida observa um homem adormecido dentro de um trem e se dá conta de que foi ele quem construi a casa de seu cão há vários anos atrás.

Coisas simples e também grostecas. Como a mãe que se orgulha de ter aprendido a afiar e a usar perfeitamente uma faca e acaba cortando um pedaço do dedo do filho enquanto fatiava um presunto e passa não não suportar mais a palavra "dedo". Em "Manhattan", um homem é abandonado pela esposa e se interessa pela hostess de um bar que dá o título do conto, uma mulher que ele compara a Olívia Palito. O texto começa assim:

"Depois que a mulher o deixou, Mutsuo aprendeu várias coisas. O pão endurece em três dias, o pão de forma embolora em uma semana e o pão francês se transforma num pedaço de pau dentro de um mês. Mesmo que o leite fique na geladeira, após uma semana ele se torna perigoso. Do interior da geladeira, surgiu um pacote de plástico com um líquido verde. Ele não se lembrava de ter comprado um sorvete verde. Depois de forçar a memória, lembrou-se de que aquilo era o pepino que Sugiko, sua esposa, havia guardado três meses atrás."

Mukoda lança a ponta de uma corda que o leitor vai puxando aos poucos para ver o que há no final. Há uma coletânea de contos traduzidos para o inglês à venda na Amazon, os mesmos que eu li. O título em japonês poderia ser traduzido como "Jogo da memória" ou "Baralho de memórias", não sei bem como um japonês traduziria, pois "Toranpu" pode se referir tanto às cartas propriamente ditas quanto ao ato de jogar cartas.

Minha professora me disse que Kuniko Mukoda vivia sozinha e costumava deixar a casa sempre arrumada porque não queria que ninguém visse tudo bagunçado caso algo ruim acontecesse em suas viagens. E ela morreu em uma acidente de avião em 1981, aos 51 anos.

(Já estou lendo um segundo livro em japonês, uma coletânea de contos policiais/mistério, minha professora anda entusiasmada, mas esse eu vou demorar para ler.  No momento,  o livro que eu estou morrendo de vontade de devorar é 1Q84, a última obra do Haruki Murakami que saiu no Japão em três (TRÊS!) volumes, o último foi publicado em abril. Não sei quando sai a tradução para o inglês, mas não tenho coragem de pagar 50 dólares só de frete na Amazon japonesa, haja paciência! Murakami no original, isso sim seria o máximo!).


4 comentários:

aline naomi disse...

Ahhhhhhhhh... ler literatura japonesa em japonês: que sonho! :)

Amo Murakami (aliás, encontrei seu blog por causa dele). E não conhecia Kuniko Mukoda.

Li a tradução em português de "Kitchen", da Banana Yoshimoto, há muito tempo, nem lembro direito da história. E também um conto que me impressionou, acho que o nome era "Lagarta" e foi uma mestranda não descendente que tinha traduzido direto do japonês e disponibilizado na internet. Uma das personagens tinha uma lagarta tatuada na parte interna da coxa e um cara era apaixonado por ela! :)

Você falando de aulas de japonês... lembrei que preciso ver se a editora vai me liberar para continuar meu curso - o lado ruim de ser funcionária: não ter autonomia para fazer o que quero quando quero/preciso.

Continua falando sobre literatura que eu adoro! :)

Karen disse...

Oi, Aline!

O Murakami tem muitos fãs, não é mesmo! rs

Meu marido tem uma tradução inglesa de "Lagarta" e alguns outros livros da Banana, eu é que nunca tive muito interesse em me aventurar...

Aprender línguas sempre foi um de meus grandes prazeres. Meu grande dilema existencial sempre foi o de escolher entre trabalhar x fazer aquilo que tenho vontade. Eu sempre optei pelo último, porque cheguei à conclusão de que iria trabalhar para poder pagar por aquilo que tinha vontade de fazer, mas não teria o tempo necessário para essas atividades. Entretanto, atualmente acho que já fiz bastante o que tinha vontade e que preciso partir para a parte prática das coisas. O problema é o tempo. Na minha idade, sem experiência prática, tudo é muito mais complicado.

Não se lamente, ao menos você está trabalhando com algo de que gosta, não é mesmo?

Abraços,

Karen

Téia disse...

Karen, que post diferente, ótima dica, me parece uma leitura deliciosa, como as suas receitas. Bj grande, querida.

Karen disse...

Téia, recomendo a literatura japonesa! ;)

Beijos!