31.8.10

Degelo


雪解, "yukige", "degelo".  Esse é o título de um conto longo de Riichi Yokomitsu (1898-1947). Esse escritor japonês não é muito conhecido no ocidente e vi apenas um livro dele traduzido para o inglês na Amazon chamado "Shangai", que estou lendo agora. É da mesma coletânea que já comentei aqui.

A história é agridoce, um primeiro amor adolescente. Tenho simpatia pelas histórias de primeiros amores,  todo aquele negócio do tateamento da relação, o lado desengonçado, acho isso comovente.

Takuji está no colegial e mora nos fundos de uma casa que divide com outro colega de classe. Um dia ele fica intrigado com a beleza de uma garota que vê na rua e descobre que ela é praticamente sua vizinha. A garota, Eiko, também parece curiosa a respeito do rapaz e os dois acabam se aproximando. É tudo muito inocente, ela tem treze anos e está no ginásio, ele tem dezessete, aquela diferença de idade que parece um abismo entre adolescentes.

Eiko vai até a casa de Takuji todas as noites após a aula e os dois ficam conversando ou jogando ping-pong. Isso dura um ano. Tudo vai bem até que a vizinhança começa a fazer comentários e a olhar aquele relacionamento com maus olhos, a mãe de Eiko a proíbe de ir ver Takuji e os dois acabam se afastando e passam a se ver apenas quando se encontram por acaso na rua e, mesmo então, conversam de modo tão formal que parecem estranhos.

Eiko passa para o colegial e Takuji vai para outra cidade prosseguir os estudos. Um dia, ele recebe a notícia de que Eiko morreu de gripe espanhola. Depois de algum tempo, no caminho de volta para a casa de seus pais, ele faz uma parada rápida na cidade onde conheceu Eiko. Vê a casa onde ela morava e passa pelo lugar onde eles se encontraram pela última vez. Foi em uma mercearia de bairro, era noite e ela estava acompanhada pela empregada de uma vizinha. Eles se cumprimentam, mas quase não trocam palavras.  Ela vai embora, mas Takuji se demora um pouco mais lá dentro e, quando olha para fora, percebe uma silhueta parada na esquina, junto de uma caixa de correios. Era Eiko que o observava. Ela sai correndo após alguns instantes porque a empregada a chamava. Essa é a última lembrança que Takuji tem da amiga.

A última parte do conto me deu uma vontade imensa de chorar. (Ok, não fiquei só na vontade). Na perspectiva do tempo e diante do que ocorre depois, as razões para cortar aquele romance pela raiz  tornaram-se pequenas, mesquinhas.


19 comentários:

sonia disse...

Essa história me fez lembrar quando eu tinha 16 anos e minha mãe me forçou a terminar um namoro puro, inocente, só porque o rapaz (10 anos mais velho que eu) era do juizado de menores e costumava ficar inspecionando bailes para ver se não havia menores depois do horário permitido. Ela achava que isso não era profissão "decente". Fiquei muito revoltada na época, mas sempre respeitando as ordens dos meus pais, acabei por terminar esse namoro. Ele reagiu da pior forma. Sumiu sem ao menos me dar adeus, assim que comuniquei que minha mãe queria que nós terminássemos o namoro.

Letrícia disse...

Eu, que sou super frouxa, já tive de passar os olhos bem rapidinho pelo penúltimo parágrafo do seu post para não dar vexame e chorar no trabalho. Vou procurar obras desse autor, suas dicas de literatura são ótimas.

Beijos!

Karen disse...

Sonia, não pude deixar de rir com o fato da sua mãe ter encanado mais com a profissão do rapaz do que com a diferença de idade entre vocês dois. Acho que hoje em dia essa profissão já foi extinta, não é mesmo? rs

Letrícia, autores japoneses são sempre muito interessantes (e geralmente muito tristes!).

aline naomi disse...

Karen,
não sei se é impressão minha, mas os japoneses parecem encanar muito com essa coisa de "o que os outros estão pensando", não?
Não sei se porque tenho lido sobre morte, visto filmes sobre a morte, assumi a postura de sempre falar o que sinto pras pessoas, porque não quero ser igual esses personagens que ficam com o sentimento reprimido, aí a pessoa morre (ou eu morro) e tudo se perde! É muito deprimente!

Também acho as suas dicas de livros e filmes ótimas! =)

Beijos!

Ah, gostei do novo layout (ou lay-out, não sei) do blog!

Valentina disse...

Me deu vontade de let este livro.que história Bonita.gosto deste tipo de história.

Karen disse...

Aline, os japoneses se importam muito com o coletivo, com a ideia de cooperação para que a sociedade se mantenha em ordem. Nos últimos anos, há um movimento contra isso bastante forte entre os jovens.

Como meu marido diz, a única coisa de que você deve se arrepender é daquilo que você não fez! ;)

Obrigada, estou em um momento de "renovação", precisava começar por algum lugar, como as coisas maiores não dependem apenas de mim, resolvi começar pelo blog!

Val, eu também gosto de histórias assim.

Marly disse...

Oi, Karen,

Fiquei com vontade de ler esse livro, a estória me pareceu muito comovente (quase choro só de ler a resenha, rsrs). Gostei também dos bolinhos do post anterior.

Beijão e boa noite.

Unknown disse...

Karen, e o pior de tudo é que o moço (era lindíssimo) aparentava até mais idade, pois tinha o cabelo bem grisalho, com 26anos! Mas o que "pegou" mesmo para a minha mãe foi saber que ele era investigador e se nos casássemos um dia ele iria frequentar bailinhos talvez me deixando a ver navios em casa, :)) Eu chorei muito e sofri como uma condenada na época. Até hoje não entendo como fui concordar tão rapidamente com minha mãe, já que sempre fui bastante independente!

Lílian disse...

Karen,
Você é muito talentosa!
Para mim já encontrou seu caminho. É uma excelente escritora, basta se aventurar. Pouco lhe escrevo, mas sempre leio seus posts. Minha vida está intensa... Abs

Unknown disse...

Karen,
achei o nome do filme no google, digitando "filme japonês sobre cerimonia da morte". Esse google é mesmo campeão!!! Entra no endereço abaixo e dá uma conferida ...

http://madeinjapan.uol.com.br/2009/05/14/filme-japones-vencedor-do-oscar-tera-estreia-no-brasil/

Quéroul disse...

que bonito.
:)

e que bonito que tá seu blog, com as jabuticabas verdinhas.
=*

Anônimo disse...

Karen,
legal o "Tudo sobre livros" ter migrado pra cá. Comida e livros, dupla imbatível.
A sua resenha é um convite pra leitura do conto. Eu também não conhecia este autor Riichi Yokomitsu. Obrigada, tá anotado a sugestão. Vc lê em japonês né? Estou aprendendo. O kanji, a idéia a palavra já é um poema pra mim.
beijão e arigatô
madoka

Karen disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Karen disse...

Marly, ela é comovente mesmo. (Ai, eu ainda não consigo usar "estória", sempre vira "história".) rs

Sonia, pelo jeito você gostava muito dele, não é mesmo? Que pena que o relacionamento não foi para a frente.

A Marly me avisou que o filme iria passar no telecine na semana passada e meu marido gravou. Combinamos de vê-lo juntos, íamos fazer isso no sábado, mas havia jogo de tênis, basquete, futebol, etc., e aí já viu, né! Monopólio da televisão...

Lílian, você me deixa envergonhada... rs Obrigada, fiquei muito contente em "revê-la" por aqui.

Quéroul, história agridoce, como algumas jaboticabas... rs

Madoka, eu também ainda estou aprendendo japonês, apanho bastante dependendo do texto. Mas os kanjis são mesmo poéticos. Beijos!

Helô disse...

Querida Karen

"Degelo" diz bem sobre meu estado de espírito. Devagarinho vou abrindo a janela - se não tem sol, como hoje, pelo menos tem o verde frequinho dos pé de caqui voltando à vida e a pitangueira quase branca com tanta flor.

Vai passar.
Obrigada pelo carinho.
beijo grande.

Anônimo disse...

Karen, acho suas dicas de leitura de muito bom gosto.
Estou lendo "Sputinik no Koibito" do Murakami.
O processo ta lento, já que tenho que recorrer ao dicionário eletrônico . Pelo que vejo, você lê com destreza kanjis. Abraços e ótima tarde.

Karen disse...

Helô, "doucement, doucement..." como diz minha sogra. Estaremos sempre por aqui, bom momento para "desabrochar"... Beijos!

Obrigada, Anômino! A gente faz o que pode...rs
Adoraria ler Murakami no original, mesmo os que já li como o "Sputnik". Fui ver os preços dos três volumes do 1Q84 na Amazon e achei o frete muito caro, mas um dia chego lá! Eu também vivo com o dicionário eletrônico na mão e não sou lá muito rápida, mas a prática tem melhorado minha compreensão do japonês e a memorização dos kanjis. Você está no Japão?

disse...

Oi.. essa história parece ser muito boa mesmo e triste... será que existe uma tradução para o inglês ou para o português. É que eu não leio em japonês.
beijoss

Karen disse...

Então, Ná, o único livro traduzido dele que vi na Amazon era Shangai... :(