Reli o "Elogio da Sombra" do
Junichiro Tanizaki na semana passada, é um ensaio curto no qual o escritor compara a estética japonesa com a ocidental e procura demonstrar porque esta última não é adequada e não deveria ser imitada pelos japoneses. Ele compara a cor da pele, casas e vários outros elementos cotidianos, fazendo uma oposição entre as luzes do ocidente, associadas à busca pelo progresso, e as sombras do Japão tradicional.
Quando escreve sobre o estilo das casas japonesas, ele procura mostrar como seus painéis de papel de arroz projetam uma luz cálida e sombras reconfortantes em seu interior, diferente das casas ocidentais, onde tudo é excessivamente iluminado. Nem o banheiro escapa, os mármores claros com metais reluzentes, valorizados pelo ocidente, desagradam-no. A austeridade e a simplicidade das casas japonesas antigas feitas de madeira e iluminadas por velas teriam um encanto que se perderia com luzes ofuscantes, acabando com as sombras dos móveis, dissolvendo a aura de mistério propícia à meditação. Nem a comida é esquecida, traduzi um trecho da versão em inglês:
"Sempre que me sento com uma tigela de misoshiro à minha frente, ouvindo o murmúrio que penetra como um chiado distante de um inseto, perdido na contemplação de sabores antecipados, sinto-me como se estivesse em transe. A experiência deve ser parecida com aquela de um mestre de chá que, ao ouvir o som do bule, esquece-se de si mesmo como se tivesse ouvido o suspiro do vento nos legendários pinheiros de Onoe.
Dizem que a comida japonesa é feita para ser observada mais do que saboreada. Iria mais longe e diria que ela deve ser meditada, um tipo de música silenciosa evocada pela combinação da laca e da luz de uma vela bruxuleando no escuro. Natsume Soseki, em
Travesseiros de relva, elogia a cor do
yokan (*), e realmente não é uma cor que conduz à meditação? A translucidez turva, semelhante àquela do jade, o brilho pálido e onírico que ele difunde como se tivesse sorvido a luz do sol até as suas entranhas, a complexidade e a profundidade da cor - não há nada semelhante nos doces ocidentais. Como chocolates recheados com creme parecem simples e insignificantes em comparação! E quando o yokan é servido sobre um prato de laca em cujos recessos sua cor mal pode ser distinguida, então ele é realmente um objeto de meditação. Você toma sua substância fresca e macia em sua boca e é como se a própria escuridão da sala estivesse se dissolvendo em sua língua, mesmo um yokan indistinto ganha um sabor misterioso.
Na cozinha de qualquer país, sem dúvida são feitos esforços para que a comida se harmonize com a louça e as paredes, mas com a comida japonesa, uma sala iluminada e louça brilhante cortam o apetite pela metade. O misoshiru escuro que tomamos todas as manhãs é um prato das casas parcamente iluminadas do passado. Uma vez fui convidado para uma cerimônia do chá na qual o misoshiru foi servido, quando vi a cor turva, argilosa, quieta dentro de uma tigela de laca sob a luz pálida de uma vela, essa sopa que eu normalmente tomaria sem pensar duas vezes, parecia de alguma forma ter adquirido uma real profundidade e se tornado infinitamente mais apetitosa também. O mesmo poderia ser dito do molho de soja. Na região de Quioto e Osaka, uma variedade particularmente espessa de molho de soja é servida com peixe cru, conservas e vegetais, e como o brilho viscoso do líquido é rico em sombras, como ele se mistura divinamente com a escuridão! Comidas claras também - miso branco, tofu, o
kamaboko (*), a carne branca do peixe - perdem muito de sua beleza em salas iluminadas. E além de tudo isso, há o arroz. Um recipiente de laca preta lustrosa colocado em um canto escuro é mais bonito de se ver e um forte estímulo para o apetite. A tampa é, então, retirada abruptamente e o arroz cozido de um branco puro e fresco, amontoado em seu recipiente negro, cada um dos grãos reluzindo como uma pérola, irradia vagas de vapor quente - essa é uma visão que não poderia deixar de comover um japonês. Nossa cozinha depende de sombras e é inseparável da escuridão."
(Depois da leitura eu me lembrei de uma sorveteria em Ubatuba que tinha as paredes todas cobertas com azulejo branco. Eu e alguns amigos de colégio passamos alguns dias na praia e íamos para a cidade à noite. A sorveteria estava sempre aberta e eu a achava intimidante, muito clara e branca, quando entrava ali parecia que estava dentro de um aquário, portanto, tenho que concordar com algumas coisas que o Tanizaki escreve. Claro que isso não justifica a mania de certos restaurantes servirem a comida na penumbra.)
(*) Yokan é um doce de feijão azuki e ágar-ágar.
(*) O kamaboko é uma espécie de pasta de peixe.