Li Marcel Proust pela primeira vez, no primeiro ano de meu curso de filosofia, há quase dez anos. Quando terminei o primeiro dos sete volumes de “Em busca do tempo perdido”, o “No caminho de Swann”, não tinha me entusiasmado. Havia belas passagens, mas nada mais. Os anos se passaram, já tinha me conformado com o fato de que nunca chegaria ao fim dos outros seis volumes. Este ano, entretanto, resolvi colocar meu francês em dia fazendo um curso de literatura no qual, basicamente, tínhamos de ler um livro durante o semestre.
O livro escolhido era “Sodoma e Gomorra” o quarto volume da grande obra proustiana. Enfim, comecei o curso e fiquei encantada, era como se encontrasse um novo autor. Li os dois volumes anteriores e os três posteriores. Terminei o último, o “Tempo redescoberto”, hoje. Como é triste terminar um bom livro! Foi assim com “Cem anos de solidão” de Gabriel Garcia Márquez, foi assim com a trilogia do Cairo de Nagib Mahfuz. Todo um mundo construído em palavras encerrado em algumas páginas! De Proust ficaram gravadas em meu coração as belas descrições das roupas de Odette, da paisagem de Balbec, suas reflexões sobre o tempo...
No entanto, fico feliz em ter chegado ao fim, porque ter “redescoberto” o autor após dez anos significa que, de certa forma, eu amadureci, coisas que não notei há dez anos revelaram-se.
Esta é uma das passagens de que gosto muito, bastaria fechar os olhos para revê-la, eu a traduzi a minha maneira, peço, portanto, perdão a Mário Quintana, a Manuel Bandeira e a Carlos Drummond de Andrade, alguns dos grandes tradutores que Proust teve a felicidade de encontrar no Brasil:
“Ali onde, no mês de agosto, eu tinha visto apenas as folhas e como que a localização de macieiras com minha avó, elas estavam, a perder de vista, em floração, de um luxo ímpar, os pés na lama e em roupa de baile, sem tomar precauções para não estragar o mais belo cetim rosa que já se viu e que o sol fazia brilhar. O horizonte longínquo do mar fornecia às macieiras algo como um fundo de estampa japonesa. Se eu levantasse a cabeça para ver o céu entre as flores que faziam seu azul sereno paracer quase violento, elas pareciam se afastar para mostrar a profundeza daquele paraíso. Sob aquele azul, uma brisa tênue, mas fria, fazia estremecer ligeiramente os buquês ruborizados. Gralhas azuis vinham se postar sobre os ramos e saltavam entre as flores, indulgentes, como se tivesse sido um amante de exotismo e de cores que havia criado artificialmente aquela beleza viva. Mas ela tocava até as lágrimas porque, por mais longe que ela fosse em seus efeitos de arte refinada, sentia-se que ela era natural, que essas macieiras estavam ali em pleno campo como os camponeses, sobre uma grande estrada da França. Depois, aos raios do sol, sucederam-se subitamente aqueles da chuva. Eles riscaram todo o horizonte, encerraram a fila de macieiras em sua rede cinza. Mas elas continuavam a expor sua beleza, florida e rosa, ao vento que se tornou glacial sob a tempestade que caía: era um dia de primavera.”
3 comentários:
Oi Karen, que linda a foto do livro de Proust. A propósito, esta noite passei em claro preparando um relatório sobre uma matéria de Filosofia. Agora vou mimir para descansar. Também prefiro ler as obras no original. Atualmente, encaro uma preciosidade de Flaubert: Lettres à sa nièce.Grosses bises, Renata Lampião
O curso de filosofia nao é muito popular entre os alunos dos outros cursos de Humanas, espero que não seja o seu caso! Sabe que nunca li Flaubert!
Oi Karen! Eu andei lendo alguns fragmentos de 'Em busca do tempo perdido' e realmente parece ser um livro e tanto. Agora, você que tem conhecimento de francês, diga-me, francês é uma língua difícil? Como é aprender francês?
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