3.7.16

Leituras de junho


Duas últimas leituras de que gostei: A Life Beyond Boundaries: A Memoir, de Benedict Anderson, e Japanese Portraits: Pictures of Different People, de Donald Richie. 

Benedict Anderson foi professor do departamento de Estudos Asiáticos na Universidade de Cornell. No livro, ele narra basicamente a sua formação. Ele nasceu na China, passou parte da infância nos EUA e retornou para a Grã-Bretanha, pátria de seus pais, onde passou a adolescência e parte da juventude antes de retornar aos EUA para dar aulas no departamento de sociologia de Cornell. Depois disso, suas pesquisas levaram-no à Indonésia, Tailândia e Filipinas. Ele tem uma formação e erudição invejáveis, sempre curioso, ele critica a formação de "especialistas" e a compartimentalização das humanidades. Concordo com sua opinião, vi muitos estudantes e professores de filosofia que não liam romances, ou sociólogos que se restringiam a ler determinados autores, acho isso triste, apequenador.

Em Japanese Portraits, Donald Richie, estudioso da cultura japonesa, faz descrições curtas de suas interações com figuras anônimas e famosas como Yukio Mishima, Yasunari Kawabata e Yasujirô Ozu. São realmente pequenos retratos. Gostei tanto que pensei em traduzir, mas descobri que isso já foi feito

Tenho lido mais em japonês, contos, mas já separei alguns textos mais longos para continuar meu eterno aprendizado da língua. Também separei um romance em francês, uma cópia de La Vie de Marianne da época do meu doutorado que acabei deixando de lado, e A Bend in the River, de V. S. Naipaul. Há uma fila enorme de leitura!

No mais, acho que estamos com algum vazamento, outro. Na rede de água da casa desta vez. O relógio não para de girar se não fecho o registro. Preciso encontrar alguém para fazer a detecção e resolver isso em um futuro próximo. Na horta, é época de: cenouras, salsinha, coentro, gengibre, berinjela (ainda), mandioca e alface. O maracujá doce floriu. Faz anos que não como maracujá doce, espero que continue tão bom quanto era na minha infância.


28.6.16

Tarkovsky

Tinha um amigo de colégio muito querido que gostava de Solaris, um filme do diretor russo Andrei Tarkovsky, um tipo de ficção científica existencialista, por assim dizer. Passeávamos de braços dados pelo pátio e eu ouvia suas teorias e questionamentos sobre o filme. Foi assim que conheci o diretor. Assisti a uma antiga entrevista dele no youtube esses dias, a gravação é bem ruim, mas gostei:





Traduzi um trecho, não sei se é fiel, pois já foi traduzido uma vez do russo:


Entrevistadora: Você é feliz por ter nascido?
Tarkovsky: Feliz não é a palavra certa. Este mundo não é um lugar onde possamos ser felizes. Ele não foi criado para a felicidade humana; embora muitos acreditem que essa seja a razão de nossa existência. Acho que estamos aqui para lutar, para que Bem e Mal possam travar combate dentro de nós e o bem possa prevalecer; enriquecendo-nos, assim, espiritualmente. É difícil dizer se somos felizes ou não - não depende de nós. Há momentos em que nos arrependemos de ter nascido, mas a vida também nos dá coisas surpreendentes, isso é suficiente para que valha a pena viver. A questão da felicidade não existe para mim. Felicidade, como tal, não existe.


22.6.16

In Memoriam: Fan Ho (1931-2016)

Fan Ho é um fotógrafo que admiro muito. Luzes e sombras se revelam com maestria em suas fotos de Hong Kong, belas e nostálgicas.

 
 
 
 



12.6.16

Leituras de abril/maio

Li vários livros sobre assuntos bem diversos. Mas acho que, nos últimos tempos, meu interesse tem se concentrado nos livros sobre lugares e história. Nenhuma ficção.

Oaxaca Journal do Oliver Sacks é um diário de sua visita a essa região do México junto com um grupo de amantes de pterodófitas (ou seja, samambaias) do qual ele faz parte. Eles fazem excursões para observar a flora e a cultura local. Leitura leve, com suas impressões sobre a região, sobre botânica e pessoas. (Me parece adorável fazer parte de um grupo nerd desse tipo!).

John Keahey passou seis meses explorando as pequenas cidades da Toscana imerso na história e arte da região. O resultado de sua estadia é o livro Hidden Tuscany. Ele procura mostrar os aspectos menos turísticos e conhecidos da Toscana, seus conflitos, sua gente. (Adoraria ser paga para passar alguns meses em outro país para ser absorvida e absorver sua história e costumes, e vocês?). De certa forma, ele faz um livro de viagem à moda antiga, onde há mais antropologia e pesquisa, e menos "dicas" como nos guias turísticos atuais. Ele escreve sobre o mármore empregado por Leonardo da Vinci, as esculturas, o forte de Pietrasanta, cidade onde monta sua "base", e também sobre a carnificina trazida ao lugar pela guerra.

Gostei muito de In the Belly of the Elephant de Susan Corbett. No livro, ela narra seus cinco anos de trabalho para a organização Save the Children em Burkina Faso no final dos anos 70 e início dos 80. Apesar de seu trabalho, o livro trata mais de suas expectativas, do cotidiano e de suas frustrações pessoais, geralmente relacionadas ao trabalho e à sua vida amorosa. Quase um livro de formação com a África servindo de pano de fundo. 

Em Tokyo: from Edo to Showa 1867-1989, Edward Seidensticker conta como Tóquio se tornou Tóquio desde o final do período feudal até 1989. A cidade passou por várias mudanças após várias inundações, incêndios, terremoto e bombardeios durante a Segunda Guerra. Interessante, mas achei meio cansativo e um pouco repetitivo apesar da (e talvez devido à) grande quantidade de informação recolhida pelo autor. 

Consegui ler o volume sobre o zen das obras selecionadas de D. T. Suzuki. Devido ao seu intercâmbio com o Ocidente, sua visão sobre o zen é influenciada por pensadores e conceitos ocidentais e, por isso mesmo, alguns estudiosos criticam seus textos, mas acredito que essa seja sua forma de tornar as concepções orientais mais compreensíveis para quem não nasceu do outro lado do mundo. Gosto do fato das religiões orientais enfatizarem o concreto, o momento, em detrimento da abstração e de especulações de ordem intelectual. A vida se torna bem mais simples assim. Também aprecio o zen por valorizar o esforço pessoal para se atingir uma espécie de salvação/iluminação, ao contrário de outras vertentes do budismo segundo as quais a salvação dependeria de um tipo de graça divina. Mas esse tipo de cisão existe mesmo no cristianismo, não é mesmo? Algumas vertentes pregam que cada um deve se esforçar para ir ao paraíso, enquanto outras pregam que tudo depende da providência divina...

Li besteiras também, um pouco de assuntos esotéricos, nutrição e beleza, porque ninguém é de ferro, mas essas ficam para outra hora.


3.4.16

April is not the cruellest month

Li If the oceans were ink no mês passado. A autora, Carla Power, é jornalista e passou um ano acompanhando as palestras e tendo aulas sobre o Corão, o livro sagrado do Islã, com uma autoridade da religião, Mohammad Akram Nadwi, um pesquisador e estudioso que nasceu na Índia e mora na Inglaterra. Apesar de sua posição conservadora, Akram deixa claro que Maomé não prega a opressão feminina. Em seus estudos ele realizou o levantamento do nome de várias mulheres que se dedicaram ao estudo do Alcorão no mundo islâmico. 

A autora claramente foca o livro na questão feminina no islamismo e, por meio das explicações de Akram, procura mostrar que o texto sagrado não é tão opressivo em relação às mulheres, ao contrário, as interpretações e leis estabelecidas posteriormente é que teriam restringido seus direitos e liberdade. (Descobri que o profeta nunca disse que uma mulher não deveria conduzir um camelo, inclusive, suas mulheres o seguiam dessa forma, algumas até mesmo expressavam sua opinião e ela era respeitada).

É um livro muito interessante. Como qualquer religião, Akram explica que o fundamento do Islã é a compaixão, a paciência e a modéstia. Mas como qualquer texto, o Corão é aberto a várias interpretações e suas palavras podem ser distorcidas para satisfazer interesses pouco elevados. Quando o secular e o sagrado, as leis e a religião, são uma coisa só, o perigo é grande. Há diversos pontos controversos que Akram tenta elucidar para a autora, ela nem sempre fica satisfeita com as explicações, mas a leitura é ótima para compreender, mesmo que pouco, a perspectiva do islamismo.

As vozes de Marrakech (li em italiano, pois foi a tradução que encontrei), do escritor e ensaísta búlgaro Elias Canetti, é uma espécie de diário com cenas e experiências vividas pelo autor durante uma viagem a Marrakech feita em 1954. Gosto de Canetti, adorei a trilogia autobiográfica (A língua absolvida, O jogo dos olhos, Luz em meu ouvido) na qual ele narra sua infância, sua relação tempestuosa com a mãe, sua juventude e formação literária durante os anos dourados de Viena e seu relacionamento com Veza, uma mulher mais velha que considerava sua musa e com quem se casa. No livro sobre Marrakech, a pobreza e a privação estão sempre muito presentes nas cenas narradas pelo autor, o pouco de lirismo que surge aqui e ali sucumbe rapidamente diante da realidade. 

Getting more of what you want de Margaret Neale e Thomaz Lys é sobre estratégias de negociação, sobre como maximizar ganhos em diversos tipos de interação aliando aspectos psicológicos e econômicos. Apesar de não me considerar uma grande negociadora, gosto desse tipo de assunto. Nossos julgamentos, preconceitos e temperamento afetam nossas decisões e é sempre bom ter consciência disso.

Healthy brain, happy life é uma mistura de livro de bem-estar/autoajuda com neurociência, área estudada pela autora Wendy Suzuki, professora da Universidade de New York. Ela procura mostrar a importância do cérebro para se ter qualidade de vida, mas acho que esse aspecto é explicado de forma superficial, pois o texto acaba priorizando mais sua vida pessoal. É uma leitura que procura ser divertida e informativa ao mesmo tempo sem ser chata, mas fica meio açucarada. (Apesar disso, até gostaria de participar de seu curso sobre como a atividade física afeta a atividade cerebral, ela faz os estudantes realizarem exercícios enquanto gritam palavras de encorajamento e abre uma discussão sobre o tema na segunda parte da aula).

Os dias têm sido quentes, ensolarados. Gosto muito do outono. Decidi tentar remediar as trincas da piscina eu mesma, comprei massa époxi e rejunte e estou aplicando pouco a pouco. Se o vazamento diminuir, podemos chutar o problema para algum momento futuro. Por enquanto, não vi resultado, mas também ainda não terminei. A massa é ruim de aplicar e faço uma ou duas trincas por vez dentro da água.

A horta continua na mesma. Continuo colhendo berinjelas, mas as mudinhas novas continuam desaparecendo misteriosamente. Plantei batata-doce em um dos canteiros porque cansei de semear verduras e perder todas as sementes. Tenho bastante gengibre e os pés de cúrcuma estão vistosos. Colhi algumas mandiocas, elas são muito macias, as mudas foram dadas por meu pai. 

O pão continua caseiro e estou tentando melhorar minha técnica com o levain. Sempre busco dicas no blog da Neide Rigo, acho que estou melhorando, mas ainda não consegui aquele tão desejado pão de casca crocante e miolo cheio de furos. 


Flor de maracujá
Berinjelas e um pepino
primeira colheita de mandioca
alguns passeiam de balão aos domingos
pão caseiro

20.3.16

Entre Parênteses, Bolaño



Terminei de ler Entre Parênteses, uma coletânea de artigos, discursos e uma entrevista concedida por Roberto Bolaño à revista Playboy. Os artigos são curtos e tratam de literatura, afetos e desafetos literários, o Chile, seu país natal; o México, onde foi jovem; e a Catalunha, onde morreu em 2003. 

Gostei muito de Os Detetives Selvagens e 2666, seus dois tijolos de centenas de páginas. Livros ambiciosos, um tanto desequilibrados por isso mesmo, mas leituras fabulosas, estonteantes. Não gostei tanto de Noturno do Chile, tenho a impressão de que Bolaño cresce mesmo quando tem a oportunidade de se estender por várias páginas como nos dois primeiros livros e nos faz mergulhar em um caleidoscópio de imagens e experiências. 

Os artigos são interessantes para conhecer um pouco mais sobre o escritor, mas achei-os um pouco repetitivos. Gostaria que ele tivesse falado mais sobre si, expressado um pouco mais de suas opiniões sobre a literatura, arte e vida. Em suma, fossem mais reflexivos.

Li em italiano. Traduzi um trecho que acho que faz muito sentido:


"Gostaria de recomprar todos os livros de Tolstói e Dostoiévski que li e que não possuo mais em minha biblioteca. E também aqueles de Daudet. E aqueles de Vitor Hugo. Algumas vezes me pergunto o que fiz deles, desses livros, como posso tê-los perdido, onde os perdi. Outras vezes me pergunto porque desejo tê-los se já os li, que é o único modo de conservá-los para sempre. A única resposta possível é que os desejo para meus filhos. Sei que é uma resposta enganosa: cada um deve sair de casa em busca dos livros que estão à sua espera."



6.3.16

Palavras de Bolaño

A literatura, como diria uma cantora andalusa, é um perigo. E, agora que retorno, finalmente, ao número onze, o número daqueles que jogam no ataque, e que mencionei o perigo, posso recordar aquela página de Dom Quixote na qual se discute os méritos da milícia e da poesia, e na qual imagino que, no fundo, se fale do grau de perigo, ou do grau de virtude, exigido pela natureza dos dois ofícios. E, se Cervantes, que foi soldado, faz a milícia, o ofício de soldado, vencer o honorável ofício de poeta, e se lemos aquelas páginas com cuidado (coisa que agora, enquanto escrevo este discurso, não faço, mesmo que da mesa onde estou sentado, veja muitíssimo bem as minhas duas edições de Dom Quixote) sentimos um forte aroma de melancolia, porque Cervantes faz sua juventude, o fantasma de sua juventude perdida, vencer a realidade do exercício da prosa e da poesia, até então tão inclemente para com ele. E isso me vem à mente porque, em grande medida, tudo o que escrevi é uma carta de amor e de adeus à minha geração, à nossa geração que nasceu nos anos cinquenta e que, em determinado momento, escolheu o exercício da milícia, em nosso caso, seria mais correto dizer da militância, e confiou o pouco que possuía, que era muito, porque era a nossa juventude, a uma causa que acreditava ser a mais generosa do mundo e que, em certo sentido, o era, sem que, em realidade, o fosse. Inútil dizer que combatemos exaustivamente, mas que tínhamos chefes corruptos, líderes covardes, aparatos de propaganda que eram piores do que leprosários, e que lutávamos em nome de partidos que, se tivessem vencido, teriam nos enviado imediatamente aos campos de trabalho forçado; lutávamos e dispúnhamos toda a nossa generosidade a serviço de um ideal morto mais de cinquenta anos antes, e alguns de nós o sabíamos, não podíamos deixar de sabê-lo se tivéssemos lido Trótski ou se fôssemos trotskistas, no entanto, lutávamos do mesmo jeito, porque éramos estúpidos e generosos, como são os jovens, que dão tudo e não pedem nada em troca, e agora não resta mais nada desses jovens, aqueles que não morreram na Bolívia morreram na Argentina ou no Peru, e aqueles que sobreviveram foram morrer no Chile ou no México, e aqueles que não foram assassinados ali, foram assassinados mais tarde na Nicarágua, Colômbia ou El Salvador. Toda a América Latina está semeada de ossos desses jovens esquecidos. E é essa a mola que impele Cervantes a escolher a milícia em detrimento da poesia. Seus companheiros também estavam mortos. Ou estavam velhos e abandonados, sós e na miséria. Escolher significava escolher a juventude, escolher os derrotados, escolher aqueles que não tinham mais nada. E é isso o que faz Cervantes: escolhe a juventude. 

Roberto Bolaño, Discurso de Caracas, traduzido (do italiano por mim)

3.3.16

Livros de fevereiro


Falei cedo sobre a chuva no post anterior, não é mesmo? Voltou a chover muito nas últimas semanas. O solo está encharcado e faz chop chop quando caminho sobre a grama. Não dá para passar muito tempo do lado de fora cuidando do jardim então leio.

Li alguns livros sobre zen budismo, entre eles: Zen and Japanese Culture de Daisetsu Teitarô Suzuki e Zen Experience de Thomas Hoover. Suzuki tem obras bastante difundidas no Ocidente tratando do budismo. É interessante ver a religião/filosofia da perspectiva de um japonês, mas achei o livro do Hoover mais instrutivo. Ele procura traçar a história do zen budismo desde a China até o Japão. Como qualquer religião/instituição, o zen é constituído de várias idiossincrasias muito humanas. Sua história é feita de variações, cisões e disputas entre mestres e discípulos que pensam de formas diferentes. Algumas escolas se beneficiam do apoio dos poderosos e há aquelas que se afastam do mundo. Alguns mestres acreditam na meditação, outros preferem métodos menos ortodoxos como gritos e tapas como meios para atingir a iluminação.

Em Good Thinking, Guy P. Harrison escreve sobre a necessidade e os benefícios de cultivarmos uma espécie de ceticismo científico em nossas vidas, isso evitaria que tomássemos decisões ou abraçássemos causas e opiniões baseados em falácias ou ignorância. No fundo, o que ele prega é bom senso, mas li alguns comentários críticos de pessoas religiosas, por exemplo, que não gostaram do que ele escreveu.

Apesar de minha casa estar longe (muito longe) de ser um exemplo de organização e minimalismo, adoro livros sobre o assunto. Li The life-changing magic of tidying up de Marie Kondo que fez um tremendo sucesso no ano passado e terminei Simple Matters de Erin Boyle esta semana. Erin tem um blog (que conheci depois do livro), Reading my tea leaves, no qual dá dicas sobre como podemos ter uma vida mais simples, clean e autêntica. O livro também é sobre isso, sobre atitudes que enriqueceriam nossas vidas como usar produtos naturais, dar valor à qualidade e não à quantidade, consumir menos, aliar a sustentabilidade à beleza. Tanto Marie quanto Erin dizem que o segredo para ter uma casa mais clean é comprar e conservar apenas as roupas e objetos que amamos e nos fazem felizes. (Oh boy! Me passem alguns sacos de lixo...).

No campo da ficção, li Atemschaukel (traduzido como "Tudo o que tenho levo comigo", título que não achei muito bom, "The Hunger Angel", título da tradução inglesa, é bem melhor), da Herta Muller. Ele é narrado por Leo, um jovem da minoria alemã da Romênia que é deportado para a União Soviética onde passa cinco anos em campos de trabalho forçado. O tema é triste e duro, mas a escrita é muito poética. Gosto disso nos textos da Herta Muller, da concisão e do efeito das imagens que ela evoca. Li em alemão e, apesar de ter muitas dificuldades com essa língua, não era alheia à beleza de sua escrita.

Comprei e li dois livros do chileno Alejandro Zambra publicados pela Cosac Naify (RIP). Confesso que fazia anos que não comprava livros em português (mesmo uma tradução). Foi estranho ler um autor que li primeiro na língua original traduzido para o português, o pior é que cada um deles foi traduzido por uma pessoa diferente. Acho difícil manter algo parecido com um "estilo" dessa forma. Gostei muito do Zambra em espanhol, apesar de ter lido apenas Bonsai e No Leer que comprei no Chile. Calhou de uma leitora do blog fazer a recomendação do autor pouco antes de uma viagem a Santiago e fui procurá-lo nas livrarias próximas do apartamento onde ficamos. Livros no Chile são caros e não tive coragem de comprar mais nada. Até reclamei disso com o vendedor de uma livraria em Providencia e ele concordou comigo. Meus Documentos é uma coletânea de contos, gostei bastante de alguns, achei outros fracos, mas, bem, contos não são meu forte. Quase todos soam meio autobiográficos. Formas de Voltar para Casa também tem um quê disso, de fato, todos os textos do Zambra têm muito dele, de acontecimentos pessoais, do Chile e de Santiago. O romance é curto, como todos os seus textos, e trata do período da ditadura de Pinochet (1973-1990) e de como os relacionamentos e as vidas das pessoas foram afetados por ela.


10.2.16

Sobre a cerimônia do chá e o zen

Trechos do livro Zen and Japanese Culture de D.T. Suzuki. Tradução minha:


"Nestes tempos modernos, como muitos de nós estão situados em relação ao mestre de chá? Não faz sentido falar em um entretenimento tranquilo. Vamos obter o pão primeiro e menos horas de trabalho." Sim, é verdade que nós temos que comer o pão obtido com o suor de nosso rosto e trabalhar algumas horas como escravos de máquinas. Nossos impulsos criativos foram miseravelmente recalcados. Entretanto, acredito que não seja por esse motivo que nós, os modernos, perdemos nosso gosto pela capacidade de relaxar, de encontrar tempo em meio a nossas preocupações para aproveitar a vida sem ser correndo atrás de estímulos apenas pela diversão. A pergunta é: Como terminamos por nos entregar a uma vida na qual os problemas são suprimidos apenas temporariamente? Por que não refletimos mais sobre a vida de modo mais profundo, mais sério, para ter uma ideia de seu significado mais íntimo? Quando essa pergunta for respondida, se necessário, negaremos todo o mecanismo da vida moderna e começaremos de novo. Espero que nosso destino não seja nossa escravidão contínua às necessidades e bem-estar materiais.

 "De fato, é um grande erro ostentar wabi enquanto, internamente, nada está de acordo com esse conceito. As pessoas constroem uma sala de chá com todos os requisitos para que ela aparente wabi; muito ouro e prata é desperdiçado no trabalho; objetos raros de arte são comprados com o dinheiro  adquirido por meio da venda de suas terras - tudo isso para exibirem às visitas. Elas acreditam que a essência de uma vida de wabi encontra-se ali. Mas longe disso. Wabi significa insuficiência de coisas, falta de meios para satisfazer todos os desejos que se possa ter, geralmente, uma vida de pobreza e tristeza. Deter-se em desespero no curso da vida devido à incapacidade de prosseguir - isso é wabi. Mas não nos afligimos com isso. Aprendemos a ser autossuficientes com a insuficiência das coisas. Não procuramos coisas além de nossos meios. Deixamos de ter consciência do fato de que estamos em situações difíceis. Se, entretanto, persistirmos com a ideia da pobreza, insuficiência, ou miséria de nossa condição, não seremos mais pessoas de wabi, mas pessoas afetadas pela miséria. Aqueles que sabem o que é wabi, estão livres da ganância, violência, raiva, indolência, desconforto e tolice. Wabi corresponde ao Pāramitā da moralidade como ela é observada pelos budistas."

Quando o wabi é explicado da forma acima, os leitores podem achar que ele é mais ou menos uma qualidade negativa, e que ele é desfrutado pelas pessoas que fracassaram na vida. Talvez isso seja verdade em certo sentido. Mas quantos de nós são tão saudáveis a ponto de não precisar de remédio ou de um fortificante de um tipo ou de outro em algum momento da vida? E todos estamos destinados a morrer. A psicologia moderna fornece muitos casos de homens de negócios ativos, fisica e mentalmente, que repentinamente entram em declínio depois que se aposentam. Por quê? Porque eles não aprenderam a conservar uma reserva de sua energia; ou seja, eles nunca pensaram em um plano de recolhimento enquanto estavam trabalhando. O guerreiro japonês, naqueles dias de batalhas e agitação do passado, quando estava mais ardorosamente envolvido nas atividades da guerra, percebia que não poderia permanecer  com os nervos à flor da pele, sempre em vigília, e que precisava de alguma forma de escapar em algum momento e lugar. O chá deve ter lhe dado exatamente isso. Ele se recolhia durante algum tempo em um canto tranquilo de seu inconsciente, simbolizado pela sala de chá de menos de um metro quadrado. E, quando ele a deixava, sentia não só a mente e o corpo revigorados, mas provavelmente sua memória era renovada com coisas de valor mais permanente do que a mera luta.


11.1.16

Últimas leituras

 

Feliz ano novo a todos! (Mesmo que não haja nada novo nele). 

Retomei a leitura dos diários da Sylvia Plath depois da defesa de mestrado e cheguei a seu fim antes do Natal. Lendo-os, tive a impressão de que ela era uma pessoa muito obsessiva e um pouco neurótica em relação à escrita e aos seus relacionamentos. As entradas de que mais gostei foram aquelas que continham simples descrições sobre o cotidiano. Mas há passagens muito bonitas em suas reflexões, do tipo que viram citações em blogs... 

Também li um pequeno livro de ensaios da Maya Angelou, nunca lera nada dela antes e achei sua escrita simples e bem fluida. Ela foi uma mulher e tanto: escritora, militante dos direitos das mulheres e dos negros, cantora, atriz, uma história de vida fantástica. 

Outro livro que decidi retomar novamente após uma primeira tentativa improdutiva no ano passado, foi o último romance de Milan Kundera, La fête de l' insignifiance (A festa da insignificância). Uma garota que estava sentada do outro lado do corredor em nosso longo voo de volta de Mendoza o lia com interesse e fiquei com vontade de confirmar se ele era assim tão bom. O texto é curto e narra pequenos fatos corriqueiros na vida de três ou quatro conhecidos, existências que se tocam e ignoram muito uma sobre as outras. Bem ao estilo de Kundera. Acho que li todos os seus romances, apesar disso, não posso dizer que ele seja um de meus autores preferidos. Bela escrita, belas reflexões, mas um perfume que logo se desvanece no ar.

Agora estou terminando In Arabian Nights: A Caravan of Moroccan Dreams de Tahir Shah. É uma mistura de livro de viagem, biografia e contos. O autor nasceu em Londres, filho de afegãos, e narra suas experiências em Casablanca, onde adquiriu uma casa e foi viver com a família. Ele descreve seu cotidiano e seu aprendizado sobre os costumes do país, cada pessoa que encontra, conta-lhe uma história e, por meio delas, ele entende um pouco mais sobre o Marrocos e sobre si mesmo. Gosto muito das histórias, ou contos, ao estilo das Mil e uma Noites que permeiam a leitura. O livro me fez lembrar de uma época em que eu lia e relia contos: Andersen, Grimm, Lobato, lendas brasileiras, lendas estrangeiras, o que quer que fosse. Eles pareciam imbuídos de inocência e, ao mesmo tempo, de algo muito mais profundo, tocavam algumas características essenciais do ser humano. Voltei a experimentar isso quando li as Mil e uma Noites mais tarde e, agora, outra vez, lendo este livro. Ele é a continuação de The Caliph's House: A Year in Casablanca.