7.12.10

Herta Müller - Herztier


Herta Müller ganhou o Nobel de Literatura de 2009, antes disso, nunca tinha ouvido falar nessa autora romena que escreve em alemão. Fiquei curiosa em ler algo dela, lembrava que seus temas eram relacionados à época em que a Romênia estava sob a ditadura de Ceaucescu, mas era tudo. Leio poucos livros escritos por mulheres, o panteão literário ainda é bastante masculino. E, para falar a verdade, eu cresci com um certo preconceito em relação à "escrita feminina". São raras as escritoras que se salvam em minha lista. Acho que isso é algo que devo repensar.

O livro contém alguns elementos autobiográficos e é narrado por uma estudante universitária na casa dos vinte anos que compartilha um dormitório com outras garotas. Uma de suas colegas, Lola, é encontrada morta um dia em circunstâncias estranhas. A narradora conhece três garotos, aparentemente conhecidos de Lola, que procuram entender o que aconteceu. A narradora e esses três rapazes - Kurt, Edgar e Georg - compartilham o mesmo sentimento de impotência e revolta em relação ao regime e tornam-se amigos. Os quatro lêem livros proibidos, escrevem textos críticos e, por isso, acabam sendo investigados pela polícia. Eles são interrogados e ameaçados constantemente.

Depois de terminarem a faculdade, cada um deles é empregado em lugares diferentes, mas  permanecem em contato e continuam sendo vigiados. Os amigos apoiam-se um nos outros para suportar o estado de tensão em que vivem. Eles escrevem cartas nas quais determinadas palavras têm significados que apenas eles podem compreender e servem para alertar uns aos outros sobre quando estão em perigo.

Além da tensão constante dos personagens principais, há a preocupação de suas mães,  elas escrevem cartas comentando as visitas de "agentes" do governo e, por meio delas, temos uma visão do cotidiano das pessoas comuns nos vilarejos. É um mundo onde os sonhos são reprimidos e cada um precisa se concentrar nas necessidades do dia a dia. Em suma, uma vida insuportável para os quatro jovens.

É um livro de imagens estranhas e belas, composto de textos curtos e metafóricos. Como é o primeiro livro da autora que leio, não sei se essas são características de seu estilo. Gostei, é diferente de tudo o que já li e não sei muito bem como classificar.

O título foi traduzido para o português (de Portugal) e para o inglês como "A terra das ameixas verdes". "Herztier" é uma expressão difícil de traduzir. A autora a usa para descrever algo frágil e inquieto dentro dos personagens. ("Herz" = coração, "Tier" = animal).


Traduzi um trecho:

"Eu conhecia a anã do Praça Trajano. Ela tinha mais pele do que cabelos sobre a cabeça, era surda-muda e carregava um tapete de fibras como as cadeiras descartadas sob as amoreiras dos moradores antigos.  Ela comia o resto das bancas de legumes e engravidava todos os anos dos homens de Lola. Eles vinham à meia-noite depois do último turno das fábricas. A praça estava escura. A anã não conseguia fugir a tempo porque não ouvia quando alguém se aproximava. E não podia gritar.

Na estação, perambulava o Filósofo. Ele tomava os postes telefônicos e as árvores por homens. Discorria sobre  Kant e o universo dos carneiros que comiam a grama para o aço e a madeira. Ia de mesa em mesa nos bares, bebia os restos e enxugava os copos com sua barba longa e branca.

Na frente da praça do mercado, sentava-se o velho com o chapéu feito de alfinetes e jornal. Ele arrastava um trenó com sacos ao longo das ruas no inverno e no verão. Em um deles, havia jornais dobrados. O velho fazia um chapéu novo todos os dias. No outro, estavam os chapéus usados. 

Apenas os loucos não teriam mais levantado  a mão no auditório. Eles trocaram o medo pela loucura.

No entanto, eu podia contar pessoas na rua, contar a mim mesma, como se fosse encontrar-me casualmente. Podia dizer a mim mesma: "Hei, você, Ninguém!". Ou: "Hei, você, Legião!". Mas eu não conseguia enlouquecer. Ainda estava lúcida."

3 comentários:

aline naomi disse...

Gostei!!

Que me lembre, nunca li nada de autores romenos!

Anônimo disse...

eu soube por um blog de uma feminista que Herta M. ganhou nobel no ano passado. Fiquei na vontade (já passou?)de ler algo dela, achei interessante esse livro que vc nos apresentou. Vc leu em alemão? ulalá.
Mas nem Clarice Lispector entrou na lista?
ps. sou profa. sim, entretanto agora dou suporte na escola pública japonesa aos alunos brasileiros.
madoka

Karen disse...

Aline, eu também não sabia quase nada sobre a Romênia até ler o livro.

Madoka, professsora, que bacana!

Eu li em alemão, mas ainda preciso melhorar minha velocidade de leitura nessa língua (assim como no japonês).

Li vários livros da Clarice quando era mais nova, mas não sei, não posso dizer que seja uma de minhas favoritas.