20.11.12

Em salas de espera


Quando éramos crianças, meu pai trabalhava como autônomo e plano de saúde era um luxo, o que nos levava a recorrer sempre ao serviço público. Na verdade, só procurávamos um médico em emergências, nessas ocasiões, íamos direto para um pronto-socorro, geralmente em horários de plantão, pois era quando meu pai estava em casa e podia nos levar. Lembro do monte de gente na frente da recepção esperando seu nome ser chamado para ir para outra sala onde havia mais espera, ou seja, havia uma antessala da sala de espera. Uma perna quebrada e um resfriado mais resistente eram resolvidos assim.  Por sorte, eu e meus irmãos nunca tivemos nada mais complicado na infância.

Já um pouco mais velha, passei por um período psicologicamente complicado e isso teve alguns efeitos físicos que me levaram a procurar um gastrologista. Um episódio verdaderiramente kafkaniano. Para conseguir ver o médico, era necessário ir bem cedo ao SUS da cidade vizinha para pegar uma senha. O número de senhas distribuídas por dia era limitado e quem não conseguisse o papelzinho tinha que voltar no dia seguinte. Com senha em mãos, ainda era preciso seguir até a recepção, esperar sua vez e marcar o horário com a especialista desejado. Coisa de mês ou mais. 

Enfim, chegou o dia. A sala de espera estava lotada e não havia um horário definido. Todo mundo chegava e ficava esperando ser chamado. Os mais sortudos seriam chamados primeiro. Tratamento de gado. Estava sentada lá e uma senhora, gente simples, se sentou ao meu lado acompanhada da neta e começou a puxar assunto. 

Olhando ao redor, "Nossa, só tem homem!". Voltando-se para mim, "Você sabe que os homens vêm aqui porque têm problema lá no c*, né? Eles fazem 'aquilo' com outros homens. São todos vi***s!". Lembrando que o nome da especialidade é gastroenterologia). Nem lembro se disse algo, acho que ignorei. Era uma senhora de idade, com preconceitos bem arraigados. Aquela conversa, mais o ambiente geral, mais a espera, deixaram-me deprimida.

A vida é cruel.

***

Realizei uma cirurgia com o Dr. X há trocentos anos atrás para remover um nódulo de uma das mamas e agora sou obrigada a visitá-lo sempre para acompanhar os nódulos que sobraram, tenho um par deles, são todos benignos e vivem sendo fotografados, já se tornaram íntimos. 

Quando conheci o Dr. X, ele era um médico promissor em início de carreira que atendia em um consultório lotado e minúsculo. Dez anos depois, entro em uma clínica espaçosa, com uma sala de espera com televisão de várias polegadas, revista Caras, wifi e máquina de café espresso. Uma mudança e tanto. O que não mudou foi o tempo de espera de várias horas. A mulherada que aparece lá sabe que tomará um chá de cadeira, mas todas estão resignadas, afinal, Dr X virou um bam-bam-bam da área. De quebra, ele é simpático. Sua sala é grande, cheia de livros médicos, um Aurélio, próteses de silicone sobre a mesa, um pequeno altar e bíblia na estante. 

Na última vez, uma senhora de uns setenta anos entrou na sala de espera e, apesar das inúmeras poltronas vazias, decidiu se sentar entre mim e outra paciente. Dava para ver que ela queria ter com quem conversar. Chegou fazendo perguntas sobre o tempo de espera para a vizinha da direita, esta notou as intenções da senhora e saiu sob o pretexto de beber água. Eu era a outra alternativa e ela perguntou qual era meu horário e começou a comentar que já vinha preparada para esperar. "Eu venho quando não tenho mais nenhuma preocupação, porque sei que vou ficar aqui o dia inteiro!", pausa, "Minha única preocupação é o meu marido, ele tem aquela doença que faz a pessoa fugir... Fico com medo de que ele saia de casa e suma, depois eu tenho que ir procurar. Ele tem parkinson!", batendo na testa, "Não é aquela outra, como se chama? Alzeheimer! Isso! Ele foge e eu tenho que procurar!" Balanço a cabeça sem saber o que dizer, mas não quero prolongar a conversa que não sei onde pode chegar. Felizmente, sou chamada.

A vida é triste.


8 comentários:

kalina morena disse...

excelentes suas cronicas!!!
a vida eh interessante.

Anônimo disse...

Realmente, Karen, para algumas pessoas a vida é bem cruel e bem triste. Ainda bem que não nos incluímos nesse grupo. Mas sempre me pergunto qual a razão de algumas pessoas serem tão atingidas pelo sofrimento e outras serem poupadas. Com certeza há uma explicação que nós ainda não temos o discernimento necessário para entender, não acha ?
Um beijinho !
Vera Scheidemann

Karen disse...

Kalina, a vida é mesmo interessante, apesar dos pesares...

Vera, às vezes também me faço essa mesma pergunta. Algumas pessoas têm uma vida tão dura, são atingidas por eventos tão terríveis sem terem feito nada... Isso me dá medo...

sonia disse...

Nessas salas de espera é onde testamos nossa compaixão pelo ser humano. Vemos de tudo e acabamos saindo confortados por sermos mais privilegiados. Há pessoas que têm uma resignação diante das adversidades que nos servem como uma lição de vida.
Gosto dos seus textos, Karen.

Karen disse...

Obrigada, Sonia! É verdade, há muito sofrimento ao nosso redor.

Rninguem disse...

hahaha gosto bastante quando você escreve assim :)

Karen disse...

Rninguem, :)

livia lorena disse...

Impossível ler isso e não imaginar que se encaixaria perfeito em algum episódio na vida de algum personagem do Murakami ^^