7.3.08

Ferdydurke - Witold Gombrowicz

Um (bom) livro sempre nos leva a outros livros. Isso é um fato. Após ler o que o Milan Kundera escreveu sobre literatura, fui ler a Ana Karenina de Tolstoy e, agora, Ferdydurke, de Witold Gombrowicz, até então, um ilustre desconhecido para mim. Grombrowicz nasceu na Polônia em 1904, estudou direito e depois de se formar começou a escrever. Pouco antes da segunda guerra, ele foi convidado a participar de uma viagem transatlântica até a América do sul e quando chegou na Argentina, a Polônia havia sido invadida pelos nazistas e depois pelos soviéticos, esses acontecimentos fizeram com que ele permanecesse em Buenos Aires, onde viveu em grande penúria por duas décadas antes de retornar para a Europa. Ferdydurke é sua obra mais famosa e gira mais em torno de um tema do que propriamente conta uma história. O livro fala sobre um autor de trinta anos que passa a ser tratado como um garoto de dezessete anos, ele é visto como alguém que não pode ser levado a sério e submetido à tirania das instituições sociais: escola, professores, colegas, parentes.

As pessoas com as quais o rapaz cruza são representantes de valores que ele ridiculariza (comunismo, aristocracia, burguesia, etc). Gombrowicz escreve com absoluta liberdade e ironia. Gosto muito dos trechos reflexivos do protagonista, como este, logo no começo do livro:

“Eu tinha acabado de cruzar o inevitável Rubicão dos trinta há pouco tempo, eu tinha ultrapassado aquele marco e, de acordo com minha certidão de nascimento e por onde quer que examinasse, eu era um ser humano maduro. E, no entanto, não o era – o que eu era? Um jogador de bridge de trinta anos? Alguém que por acaso estava trabalhando, ocupando-se com as trivialidades da vida, cumprindo prazos? Qual era meu status? Freqüentava bares e cafés onde trocava algumas palavras, ocasionalmente até idéias, com as pessoas com as quais cruzava, mas meu status não era nada claro e eu mesmo não sabia se era um homem maduro ou um jovem imaturo. Naquele momento decisivo da minha vida, eu não era nem um nem outro – Eu não era nada – e meus contemporâneos, já casados e firmados, senão sobre suas opiniões sobre a vida, ao menos em várias agências governamentais, tratavam-me com uma desconfiança compreensível. Minhas tias, aqueles inúmeros um-quarto-de-mãe, apregoavam, remendavam, embora me amassem muito, e insistiam para que eu me estabelecesse e me tornasse alguém, um advogado, um servidor público – elas pareciam muito aborrecidas com minha indecisão e, sem saber o que fazer comigo, elas não sabiam como falar comigo, então, apenas tagarelavam:
‘Joey’, diziam entre uma tagarelice e outra, ‘é tempo, meu querido. O que as pessoas irão dizer? Se você não quer ser um doutor, ao menos seja um mulherengo, ou alguém que gosta de cavalos, seja algo... seja algo definido...’”

(Vocês também não tiveram/têm “tias” assim? Eu tenho várias, mas elas estão na minha consciência e não consigo me livrar delas!)



4 comentários:

Anônimo disse...

hmmm não tinha ouvido falar sobre esse autor também, mas me identifiquei bastante com o personagem, só de ler esse paragrafozinho! hahaha!
e sim, você leu certo, moça! mas pra ser bem franca, conheço pouco itupeva! quando fui pra lá, fiquei alojada numa escola estadual e trabalhando em outra o fim de semana inteiro. foi um trabalho voluntário com um grupo de universitários, eles montam 'caravanas' em comunidades carentes e oferecem trabalhos educacionais e alguns tipos de atendimento médico pra população! foi muito bacana mesmo, morro de saudades!
mas conheci duas senhorinhas lá que me valeram o ano inteiro!!! mas outro dia conto a história! ^^
bjuus! ótima semana!!

Karen disse...

Melody, interessante, nunca tinha ouvido falar de um programa desses em na cidade! Beijos!

Anônimo disse...

Karen, também saí com uma lista cheia de livros para ler, depois que acabei o "L'art du roman", do Kundera. acho que foi esse que você leu tmb, não? muito bom.

Abraço.

Karen disse...

Daniel, foi um deles sim! Gostei bastante de ler o Kundera escrevendo sobre literatura. Acho que ele faz com que você sinta vontade de ler os livros, ao contrário do Coetzee que não consegue deixar de ser um "professor" de literatura quando escreve sobre o assunto e acaba sendo meio chato.