20.8.10

Da gramática


Acabei de ler um livro de gramática alemã. Apesar de ter seguido um curso por quase seis anos, há várias lacunas em meu aprendizado e ainda não leio textos nessa língua com a fluência que desejaria. Seguir um curso por anos a fio não significa que você vai sair sabendo tudo ou falando tudo fluentemente. Como em qualquer curso, ele fornece a base, o resto é com você.

Meus professores de faculdade batiam sempre na tecla de que, sempre que possível, era melhor ler os autores na língua original e sou uma defensora dessa ideia. Um livro traduzido, por mais fiel que seja ao original, sempre é transformado de alguma forma. Escritores têm suas preferências de palavras e um estilo próprio. Tradutores, por mais que sejam fiéis ao original, também são pessoas com uma história e preferências que tomam decisões na hora de traduzir uma palavra e acrescentam algo de seu ao texto.


 No fundo, acho que juntei o útil ao agradável, pois sempre gostei de estudar línguas e de ler. As duas atividades sempre me proporcionaram um imenso prazer e, cada vez que chego ao ponto de conseguir ler um livro inteiro em outra língua (nem que seja com o dicionário em punho), o sentimento de realização é imenso. É como escalar uma montanha após uma longa caminhada. E há o enriquecimento, com o aprendizado de uma língua, um universo deixou de ser absolutamente hermético para você.

Tenho um livro do Georg Büchner em alemão pedindo para ser lido e também quero reler Nietzsche, agora no original, um pensador pelo qual tenho um certo carinho, por ter sido o primeiro a cruzar meus passos. Acho que ele é mal compreendido e tomo a liberdade de abrir um parênteses para defendê-lo. Todo aquele negócio de superioridade, super-homem, etc., tornou-o antipático para muita gente. Para mim, suas ideias expressam mais uma afirmação da vida. Debaixo da linguagem provocativa, o que ele procura é mostrar como vivemos sujeitos a uma série de concepções morais que não permitem que desenvolvamos todas as nossas potencialidades, que nos reprimem, e, no final, acabam fazendo com que sigamos o "rebanho".

O dionisíaco é a arte, a autentcidade, a liberdade, em contraposição ao apolíneo, aos valores do decoro e do bom-comportamento. O super-homem, nada mais é do que uma mistura do filósofo com o artista, aquele que não reprime seu potencial, sua vitalidade. E quando alguém nos pergunta se desejamos viver nossa vida novamente sem mudar uma vírgula e somos capazes de dizer "sim!" todas as vezes, isso é a afirmação de que nossa existência não foi obra do acaso e das circumstâncias, mas foi forjada, desejada em cada detalhe, por nós.

Faz muito tempo que li o autor, nunca o estudei muito a fundo, e é fácil torcer o pepino das palavras e fazer com que elas digam o que desejamos, mas é assim que vejo Nietzsche.

12 comentários:

aline naomi disse...

Deu vontade de ler Nietzche! =)

Essa angústia de "seguir ou não seguir o rebanho" existe desde que o homem é homem, né? Eu sinto uma angústia de tempos em tempos. Porque tudo nos compele (pelo menos ME compele) a fazermos o que todo mundo faz, o que parece razoável, racional, seguro.

Mas estou procurando viver tudo que consigo...

E você domina japonês e alemão! AHHH! As línguas mais difíceis =)

Karen disse...
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Karen disse...

Aline, como disse, ter estudado (ou melhor, estar estudando) as línguas não significa que eu as domine. Estou longe disso. Tenho uma certa confiança no inglês e no francês, mas ainda não atingi o mesmo nível no alemão e no japonês, infelizmente. Mas quero chegar lá! :)

Outro dia, vi que Nietzsche é vendido meio que como um autor de autoajuda no Japão, já imaginou? rs

Karen disse...

Sobre a pressão externa, esse sentimento deve existir desde que duas pessoas se cruzaram no mundo.

(Esqueci de te desejar uma boa viagem!)

Marly disse...

Ai, Karen,

Eu tenho um problema com Nietzsche!
Por um lado, admiro a coragem dele, as frases perspicazes, o fato de ele ter, por assim dizer, conclamado o homem a questionar as instituições, e a ssumir a sua grandiosidade (que seria buscar a sua - do homem - plenitude; assunto muito explorado hoje nos livros de auto-ajuda, rsrs). também admiro a capacidade dele de perceber aquilo que sempre esteve meio encoberto, trazendo o assunto à luz e metendo o dedo na ferida, e tals. Por outro lado, abomino a virulência dele (e sim, ele é extremamente virulento no seu ataque às coisas às quais era contrário) e, principalmente, acho que a moral é imprescindível à boa ordem social. Essa questão da moral, eu acho muito confusa em Nietzsche. É como se ele achasse que poderíamos viver sem nenhuma regra, sei lá. Eu penso que os homens são falhos, egoístas e tendem ao erro, portanto, a existência das normas é necessária.
Tome, por exemplo, as idéias de um grande admirador de Nietzsche, o seu compatriota Herman Hesse (que, aliás teve uma vida com muitos pontos de semelhanças com a de Nietzsche). Não obstante ter sido um grande escritor (eu tenho, inclusive todos os livros mais conhecidos dele), Herman Hesse "pregava" algumas idéias que eu considero meio doidas. A estória de Demian (um dos grandes sucessos dele) parece querer afirmar valores contrários aos estabelecidos. Demian é filho e talvez amante da propria mãe; é meio sobrenatural e tem um quê de diabólico. Já o personagem de 'O Lobo da Estepe', cujo nome me foge agora, defende a liberdade sexual, como uma forma de experiência, tipo "Experimentemos o que é inusitado, pois somos indiferentes à moral burguesa". Isso, naturalmente, é diferente de a gente aceitar a diversidade e respeitar a opção dos outros. E veja que estou citando apenas duas pequenas questões colocadas de modo quase imperceptível nesses romances. Penso que se o que Nietzsche e Hesse entendiam por viver em plenitude for o de que devemos nos permitir tudo, eu acho isso meio doido. Enfim, se as idéias de Nietzsche foram interpretadas dessa maneira por tanta gente, não foi por serem elas mesmas confusas? Eu tenho lido Nietzsche com a maior boa vontade, massss, sempre travo, quando começo a raciocinar no que seriam os desobramentos de algumas das idéias dele.

Quéroul disse...

minha relação com Níti é de amor e ódio. o primeiro livro que eu li dele eu odiei tanto, mas tanto, que queria matar quem quer que fosse que falasse 'aim, aduóro níti'. aí eu li um segundo e amei pra toda vida.
mas tenho problema com ele, por razões além-ele, se é que me entendes...

e também me parte o coração ter que concordar com a ideia de ler no original. claro, é melhor mesmo, mas como faz?
se eu não consigo entender uns autores na minha lingua, imagina nas deles, hehehe. alemão então... estudei um pouco e me sinto muito orgulhosa de ter aprendido a procurar palavras no dicionário. considero uma vitória isso, dado o tempo que estudei e o cursinho que eu fiz. alemão me interessa, acho lindo. mas é bem complicado, e eu jamais conseguiria ler filosofia ou qualquer coisa em alemão... quer dizer, eu li Der glückliche Löwe, hahaha, e ainda colori as figurinhas.

eu também adoro estudar linguas, mas sinto falta da prática depois. muito tempo lendo, estudando e falando só entre amigos, acabo perdendo vocabulário pelo caminho.

;)

Karen disse...
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Karen disse...

Marly, de qualquer forma, pensadores/filósofos também são humanos e os discípulos deles, além de humanos, quase sempre são infiéis e escolhem os aspectos que desejam de seus "mestres".
Eu li Demian e O lobo da estepe quando estava no colegial, nunca achei o Herman Hesse muito interessante. Acho que precisaria voltar a esse autor para fazer alguma relação com Nietzsche.
Quanto ao Nietzsche, ele é mesmo radical em algumas passagens, mas eu considero mais uma questão de estilo.
Geralmente, os filósofos veem um determinado tipo de moral e a religião como "tábuas de salvação" para a sociedade, não desejáveis, mas necessárias, porque somos seres imperfeitos. Caso o ser humano realizasse todo o seu potencial, a moralidade não precisaria vir de fora, ela seria interna e a harmonia seria uma consequência disso. Acho que é esse tipo de pessoa que Nietzsche tem em mente quando fala no "super-homen". Mesmo os pensadores materialistas, quando falam que o ser humano age para atingir seus fins egoístas, diz que ele escolheria agir de modo a não causar danos aos outros porque isso seria de seu interesse.
Filósofos tem sempre ideais em mente e eles são sempre impossíveis na realidade. São sugestões, se vamos chegar lá, ninguém sabe.

Quéroul, entendo sim, Nietzsche desperta esses sentimentos mesmo! rs

Ler uma tradução é sempre melhor do que não ler. Sou uma defensora da leitura de qualquer tipo. Ler no original é o ideal, mas nem sempre é possível. E há sempre uma porção de palavras desconhecidas aqui e ali mesmo depois de todo o estudo.

Alemão é difícil, não é mesmo? O livro de gramática me deu um pouco de desânimo, há tantas exceções no uso dos casos, coisas que precisam ser decoradas porque não tem regras... argh! Vou ficar contente se adquirir alguma fluência na leitura.

Aprender a usar o dicionário é mesmo uma etapa do processo! Ah, eu adoro ler livros infantis em outras línguas! rs

Beijos, garotas!

tatiane disse...

Sabe que eu tenho um problema enorme para aprender idiomas, sempre tropeço na gramática. Acho incrível ainda conseguir escrever algo com sentido em português. Mas só consigo ler coisas mais triviais. É frustrante.

Nietzsche foi o único contato que tive com filosofia na faculdade. Gostava da forma como ele demonstrava que a religião era um entrave para o desenvolvimento do homem. Já faz tanto tempo que nem lembro muito do pouco que li...

bom final de semana

Karen disse...

Tatiane, tem gente que tem mais facilidade para aprender línguas sem focar tanto na gramática. Eu já preciso internalizar as regrinhas, senão me perco toda. Deve ser meu lado obsessivo.

Você escreve tão bem! Eu ainda brigo com o português e, agora, também brigo com as línguas que vivo tendo que reaprender para não esquecer tudo de vez. Mas é algo que faço com prazer.

Eu também li Nietzsche há muito tempo, está na hora de ver se minha opinião mudou... rs

Lindo final de semana para você também!

Billy disse...

Olá Karen!

Concordo totalmente com a ideia de ler autores na versão original. Acho que até agora a única tradução maravilhosa que encontrei foi mesmo a dos livros de Richard Zimler, que escreve em inglês mas fala perfeitamente português e trabalha de perto com a tradutora. São livros absolutamente maravilhosos, muito bem escritos, fantasticamente traduzidos. Muito recomendáveis!

Beijinhos e bom fds!

Karen disse...

Billy, há autores que não tem jeito mesmo, é preciso ler traduções, li muita tradução de romances japoneses, árabes, etc., em inglês e francês. Mas seria o máximo saber a língua original... rs

O bom de poder ler em outras línguas é que você não fica tão limitado, há muito mais traduções de obras para o inglês e para o francês, por exemplo, do que para o português.

Não conheço Richard Zimler, agora fiquei curiosa!

Beijos e bom final de semana para você também!